Escrevo sob a emoção do disco voador. Ele veio até a Barra da Tijuca especialmente para posar para o fotógrafo e inspirar o redator de uma revista; deu uma voltinha e se fez ao largo, indo sumir atrás das ilhas Tijuca, antes que outros repórteres pudessem entrevistá-lo. E tão seguros estavam os dois felizes rapazes de que o disco era “exclusivo para os associados” que não tiveram a menor pressa em divulgar o fenômeno, que só foi publicado 24 horas depois. É claro que estou acreditando em toda a história; nem é de meu feitio desacreditar colegas. Seja uma casquinha de estrela ou um engenho mortífero, o disco existe, pois saiu no jornal. Existe e afinal de contas é gentil, pois não veio quebrar meu velho telhado, nem o de meus estimados vizinhos.
Menos interessante que o disco em si mesmo é, entretanto, a emoção popular que ele suscita. Já ouvi até agora a opinião, ou melhor, as impressões de seis pessoas — gente do povo que a notícia espantou como a mim mesmo. Uma disse — “eu acredito; pode ser truque, mas também pode ser verdade. E eles não iriam contar uma coisa dessas se não fosse verdade; era forte demais”. Outra pessoa achava que era um truque de publicidade: “você vai ver, amanhã vem aí o anúncio de um troço qualquer”. Outra pessoa achava que o disco existe, mas não tem nada de muito especial, tendo sido lançado de bordo de um avião especialmente para ser fotografado.
Quanto à origem provável da “coisa” uns falam em Marte, outros na Rússia, outros nos Estados Unidos, devendo-se admitir que só um desses três planetas pode ter capacidade para fabricar um tal mimo.
Mas o que me impressiona é o ar de sonho que essa notícia desperta em todos, ainda mesmo nos que dizem não acreditar. No fundo, afinal, todo mundo acredita — e se amanhã esses dois jornalistas resolvessem dizer que tudo não passou de uma brincadeira eles não seriam perdoados — não por terem mentido, mas porque o disco já se incorporou ao nosso patrimônio de sonhos e não toleraríamos a ideia de perdê-lo.
Por mais verdadeiro que seja, ele foi espantoso e fugaz como uma coisa de sonho. E as coisas de sonho têm de ser hoje — tão triste e mesquinha é nossa fantasia — feitas de metal e nascidas da técnica. Ninguém inventaria, nem veria, um coqueiro voador, nem uma vaca voadora; se o fizesse, cairia no terreno do surrealismo. E o tempo é infrarrealista; a realidade que sonhamos deve ser ainda mais técnica, mais metálica e mais assassina do que esta de hoje.
O que, tudo, são reflexões tristes. No fundo, não existem discos voadores; e eles fazem bem em não existir, porque ficarão horrorosamente banais logo que começarem a existir. Como um bonde elétrico, por exemplo.