Uma esquadrilha de aviões a jato passou assobiando, zunindo. Depois vieram aviões comuns, em formação, com seus motores roncando. Pareciam morosos como carros de boi. Os outros eram apenas alguns pontos negros no horizonte.
Onde iriam com tanta pressa? — perguntou o homem parado e triste, que olhava de sua janela. Resolveu fazer a barba, mas faltava água. Lentamente ele atravessou o quarto, sentou-se numa cadeira e ficou um instante olhando a paisagem sem graça. Um pardal pousou um instante na janela, e partiu logo com seu ar apressado e vulgar de passarinho urbano. O homem pegou um jornal, e ficou lendo com indiferença a primeira notícia que lhe caiu sob os olhos: o secretário-geral de Agricultura, Indústria e Comércio da Prefeitura assinou portaria designando o professor do ensino secundário, padrão “O”, Fernando Romano Milanez, para membro da Comissão de Proteção à Natureza.
O homem, que jamais teve um cargo público, sentiu que, pela primeira vez, tinha inveja de uma nomeação. Sim, gostaria de dizer, quando lhe perguntassem a profissão “eu sou protetor da Natureza”. E diria de tal maneira que “protetor” sairia humildemente, som minúscula, e “Natureza” solenemente, com maiúscula. Procuraria agir por meios suasórios, por exemplo:
“ — Eu sei que vocês vivem honradamente. Gastam muito tempo e esforço caçando essas borboletas nas matas da Tijuca e depois mostram grande habilidade e senso artístico compondo essas paisagens com asas de borboletas em pratos e bandejas. Esta aqui, por exemplo, está linda; sim, é extraordinário o azul deste céu, nem o próprio céu verdadeiro jamais teve um azul assim. Isto é... bem, vocês têm costume de olhar o céu? A verdade é que nunca se pode dizer com toda certeza: “não existe um céu dessa cor”. Tenho visto coisas surpreendentes no céu. Não, meus amigos, não estou me referindo aos aviões a jato que passaram esta manhã. Falo do céu mesmo, feito de ar, de nuvens e de luz. Mas eu ia dizendo: as borboletas são lindas, não acham? Mas se vocês as matam, aos bandos, ou pagam a meninos para matá-las, um dia não haverá mais borboletas, não é verdade? E não havendo mais borboletas não haverá pratos de borboletas, nem pires de borboletas, nem caixas com tampas de borboletas, nem pessoas que vivem de matar borboletas — sim, porque existem pessoas bastante cruéis, insensíveis, gananciosas, horríveis, para viver à custa de borboletas — horrível, não é?, matar borboletas para viver, não sei o que essas pessoas sentem, talvez em sonhos elas vejam borboletas azuis e amarelas, talvez, quando morram, seus caixões sejam acompanhados por borboletas — ah, desculpem, meus amigos, não quero magoar ninguém, apenas acontece que acho lindas as borboletas, tenho pena das borboletas, desculpem, não gosto de magoar ninguém, pelo contrário, acho que as pessoas também fazem parte da Natureza e é preciso, é preciso proteger a Natureza...