Zico,

Domingo houve uma feijoada na casa do Simeão. Fazia calor, fazia calor e a gente comia feijão. Então Deus achou honesto que um grupo de brasileiros se juntasse num domingo, dia do Senhor, para comer feijoada na casa de um bom amigo. Sim, Deus viu que isso era bom; que ali havia amigos antigos que se entregavam a um antigo rito; e que, tendo trabalhado a semana inteira, nós honrávamos a nossa pátria e a tradição, e todos comíamos com afã grandes pratos de feijão e ficávamos corados de comer e de beber. E Deus formou no alto de suas montanhas uma nuvem de bom tamanho, que fez escura e pejada e soprou com o vento; e ela veio, parou na altura do Humaitá e trovejou e relampejou e choveu com força a mais bela chuva de verão. Um ar fresco e macio nos abençoou entre os telhados lavados; e passamos a respirar com visível prazer, porque depois de uma feijoada não há como boa laranja e depois da laranja o que é bom é uma chuva de verão, para o repouso dos guerreiros.

Saí com Mário Cabral, fomos para os Marimbás, havia chuva com sol e então, entre as montanhas e o mar, ergueu-se um arco-íris de surpreendente beleza. Há muito tempo, Zico, eu não via um arco-íris; há muito tempo não se usava mais, creio eu, devido à pintura moderna, que tem vergonha de fazer arco-íris. Pois quando Cícero Dias chegou e declarou a Juca Chaves que arco-íris deve ser considerado pintura abstrata, foi organizado esse estupendo arco-íris que superava o Pão de Açúcar e ia morrer além das ilhas, no alto-mar. Então, como ali havia muitos amigos e Mário tocava piano e apareceu uma bela moça a cantar, o arco-íris se fez duplo, e como tínhamos bebido alguma coisa, tivemos coragem para fazer essa proeza magnífica que é admirar o arco-íris, como na remota infância e com a vantagem de ter Copacabana e o Pão de Açúcar ― oh estimado Pão de Açúcar, que superas a repetição dos cartazes e dos cartões-postais, eras solene e belo sob o arco-íris, na tarde de ar lavado, perante o mar.

Depois de feijoada, laranja, arco-íris, Pão de Açúcar e samba (chegou-se a cantar Maringá), que poderia acontecer? Pois tome lá, Zico, este fim de domingo: aconteceu lua cheia sobre as ondas, e havia coqueiros. Então sentimos que a coisa chegara a um tal ponto que seríamos levados pela própria força das circunstâncias a cantar Luar de Paquetá. Mário Cabral o percebeu, e habilmente se pôs a tocar Chopin. Cheguei até a varanda e verifiquei pessoalmente que as notas do piano eram acompanhadas pelos movimentos das ondas e pelo movimento do luar sobre as ondas, e pela brisa nas folhas dos coqueiros. Então me retirei com a maior urgência, quebrando ao meio a noite de domingo, porque eu não podia mais.

rubem-braga
x
- +