Outro dia falei de árvores, hoje falarei de ruas e casas. A Paraíba fica no Brasil e sofre (nós o vimos no Pilar) essas duas desgraças nacionais que encontrareis, a partir de 1920, em toda cidade do interior deste longo país — a platibanda “futurista”, em retas e ângulos retos, seca, desgraçada, comercial, e os ficus geometrizados das pracinhas inventadas ou reformadas pelos prefeitos “progressistas” — essas bolas, esses cabos, essas abandonias verdes entre os estúpidos postes metálicos com um globo em cima, e os bancos incômodos, ofertas de firmas da praça.

Mas em João Pessoa — encontramos algumas coisas realmente modernas — o edifício do IPASE domina uma das praças centrais — e ainda encontramos, na rua Nova e na rua Direita, alguns belos sobrados, objeto de um agudo comovido estudo de Juarez Batista. “Caminhos, sombras e ladeiras”. Das igrejas que vi, a mais bela é a de São Francisco, principalmente pelo seu adro imenso, de grandes lajes de pedra entre dois muros ornados de azulejos, vindo caprichosa fachada até perto do grande carneiro de pedra. O sr. José Américo quer fazer dessa igreja um museu, se Rodrigo Melo Franco o ajudar, e o bispo consentir. Valeria a pena, ao menos para evitar um sacrilégio tão grande como a construção desse estúpido altar-mor. Tem muita coisa bela para ver, como o trabalho em pedra com aproveitamento de motivos regionais — cajus e talvez mangabas, e o coro mobilado a jacarandá, a pintura ainda perfeita do forro, com uma deliciosa cana de Natal e, principalmente, um retrato pintado de São Francisco, ao lado do altar esquerdo.

Depois desse esplendor barroco e amável, descansa a vista entrar na igreja de São Bento, em sua simplicidade azul e branca. Mas a cidade está quente, corremos para Tambaú, onde o escritor José Américo, em suas funções de governador, oferece um almoço a José Lins e a sua comitiva. Depois dessa generosa pescada fujo, com o amigo Paulo Mendes Campos, para a carícia branca de duas redes, na varanda da casa de um tio de Aderbal Jurema. Daqui só sairemos à tardinha para as águas do mar, essas águas que nos envolvem com esses carinhos mornos, essas águas tão gostosas como só raramente o homem de Copacabana pode gozar, pois lá ainda chegam as correntes frias vindas do Polo Sul.

Mas quando saio preguiçosamente da rede para ir lá dentro abrir um coco verde e uma garrafa de uísque esbarro com um dos problemas que a nossa arquitetura moderna ainda precisa resolver: a casa, por dentro, é quente. Se abrirmos todas as janelas, o vento será demais. É claro que podemos refrigerar uma casa ou usar ventiladores: mas seria indecente, com o sudeste soprando tão fresco e tão constante na varanda. Aproveitar esse vento para refrescar a casa, captá-lo e amansá-lo para uso interno, eis o problema. Dar-lhe uma entrada e uma saída sem que, pela canalização ele aumente sua força; e ao mesmo tempo proteger a casa dos ventos ruins de chuva, tudo isso permitindo que do interior a gente goze a vista do mar — eis o problema que proponho aos nossos jovens arquitetos, até agora mais preocupados com as questões de sol e sombra que com a... de calor e frio, que são, em praias como esta, junção do vento.

Mas depois do banho de mar voltamos à rede, para esperar o jantar. E não há mais problemas nem de arquitetura nem de nada no mundo; o vento do mar é bom, as palmas dos coqueiros farfalham, a rede se balança devagar. 

rubem-braga
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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