A Semana de Arte Moderna está fazendo 30 anos — e eu pensava nisso outro dia quando, em um carro, que rodava pela nova pista de Botafogo, vi aquele monstro amarelo que se chama “Brigue da Alegria”. Seria impossível imaginar uma feitura mais ao gosto do fim do século para plantar na enseada; mas que respostas teria um repórter que pedisse sobre aquilo a opinião a mil pessoas, das que passam nos automóveis, lotações, ônibus e bondes? De um modo ou de outro, reagindo com irritação ou com surpresa, a sensibilidade do homem da rua já deve estar, afinal de contas, acostumada ao gosto moderno. Pelo menos na arquitetura isso é provável; o número dos que “não aceitam” o Ministério da Educação só tende a diminuir quando na cidade inteira surgem edifícios modernos ou pretensamente modernos. É mesmo provável que o “Brigue” atraísse mais gente se fosse um barracão de madeira que o público considerasse “modernista”. Os comerciantes que instalam lojas e vitrinas novas, os agentes de publicidade e os fabricantes de móveis sabem disso.

Vimos, outro dia, uma loja popular lançar gravatas pintadas por Portinari. Se elas não fizeram maior sucesso foi porque em matéria de gravatas o brasileiro continua... abstracionista. O mesmo sujeito que repele com indignação um quadro que “não se entende” aceita com a maior naturalidade uma gravata pintada do mesmo jeito. O quadro “horroroso” dá uma gravata “alinhadíssima”, desde que seja abstrata.

No terreno literário o “modernismo” perdeu o sentido, pela simples e boa razão de que venceu. Tendo derrubado todas as proibições acadêmicas, ficou sem ter contra quem lutar. As pessoas que começaram a escrever no Brasil dez anos depois dessa agitada “Semana” já não tiveram o problema de escolher entre formas tradicionais e formas livres; tudo já estava livre, inclusive o uso das formas tradicionais. E hoje quando Carlos Drummond usa o decassílabo em “A máquina do mundo”, já andamos tão longe do decassílabo de 1919, e seu verso, dentro dessa medida certa, é tão fundamentalmente livre, que sentimos apenas a nobre cadência do passo de Dante.

E ninguém o interpela por ter usado em “A mesa” essas redondilhas que, embora tão ágeis, dão ao poema um sabor de romance antigo. Hoje cada um pode ter sua veneta, cada um “tá sorto” como diz o Alvarenga ao Ranchinho. E foram os guerreiros de 1922 que soltaram.

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