“O governo é um corpo vivo e não um monumento de bronze sobre um pedestal”, disse o doutor Vargas. Em face do que desliguei o rádio e me entreguei à meditação, que só interrompi para ouvir o segundo tempo do jogo do Fluminense com os paraguaios.

Subitamente Otto Lara Rezende fez 30 anos e Vinicius de Moraes embarcou para a Europa, e ambos nos induziram a beber alguma coisa. Acedi, embora constrangido, pois sou, no fundo, um fraco, e não sei negar boca para copo de amigo. Telê aos 36 minutos ameaçou o empate; chegamos a perder apenas por 4 a 3, mas o locutor dizia: “chove a cântaros em S. Januário”.

Essa imagem vulgar tomou subitamente para mim uma extraordinária precisão: vi cântaros, milhares de cântaros com asas de gaivota esvoaçando sobre o campo do Vasco, se inclinando no ar — e chovendo sobre os rapazes. Sobre os nossos rapazes, sobre os outros não.

Quando amanheceu eu parti para a praia e disse, perante o mar: “mês de maio, tu és belo em toda a volta do mundo; se, lá onde o poeta foi, tu te chamas primavera, e aqui outono, és na verdade, sempre maio, e louvo a tua luz nas ondas e a tua brisa nos ramos”.

No morro sobre o Túnel Novo brilhavam as folhas das bananeiras. Longe, no mar, quase na linha do céu, um pequeno navio muito branco voltava alegremente entre os dois azuis, vivo como se tivesse nascido de uma pincelada de Duffy. Se eu fosse presidente da república, mandava convidar os pintores assim para vir ao Brasil, botava Duffy pintando mares, Matisse fazendo mulatas de corpo comprido entre coxins vermelhos e venezianas azuis. Picasso inventando araras de três bicos e olho torto, e Braque fazendo Braques mesmo. Creio que faria muitos outros melhoramentos, distribuiria flores entre as moças e borboletas entre as flores. Sim, porque o governo é um corpo vivo.

Por falar em corpo, vejo um de mulher morena, que o estirou quase nu na praia, ao sol. Está imóvel, mas como está vivo em sua beleza, como respira suavemente o ar e a loura luz. Deixo a praia, meia hora depois subo ao lotação, engravatado porém heroico, (adeus, eu vou trabalhar, morrer talvez no túnel entre ferragens, adeus) austero porém suave, compenetrado de minhas específicas funções jornalísticas e responsabilidades citadinas, de cara séria e fechada, porém com o doce corpo da mulher boiando dentro de mim, no ar, na luz.

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