Que misterioso encanto possui o ballet, capaz de atrair um homem de tão pobre sensibilidade musical, e tão preguiçoso para ler romance, a ir ao teatro ou ao cinema?
Serão talvez essas bailarinas eternamente as mesmas, em sua graça quase despida de sensualidade, vagamente mecânicas, tangidas pela música, graciosos pequenos animais ensinados.
Gosto, às vezes, de cerrar um pouco os olhos para não ver algum detalhe que me aborrece, e ter uma visão mais irreal e pura desses vultos gentis em movimento. A emoção de certos ballets clássicos, nos instantes em que a acrobacia não lhes dá um ar meio circense de proeza, é quase inexplicável na sua pureza.
Em uma coreografia como essa de “A sonâmbula”, vemos, entretanto, que a bailarina outra vez se humaniza, embora ainda não se faça real. Há uma dignidade de clâmide nessa alva camisola com que a sonâmbula vagueia pelo mundo de sua ilusão. Mas não apenas por isso o banal enredo lírico se eleva à angústia de uma tragédia grega; é pela fatalidade desses passos que perseguem um destino de mistério, insensível à graça, ao amor e ao sofrimento de quem salta, volteia, suplica e tomba aos seus pés. Na inconsciência dessa bela mulher que avança há uma legenda graciosa, mas terrível.