Saindo do banho, estendi a grande toalha azul do lado de fora da janela. E fiquei um instante olhando a paisagem, pensando que dentro de algum tempo ela será tão familiar para mim como foram tantas outras e sentindo esse prazer sempre novo de tomar conta de uma paisagem, de “morar” nela.

Então, na janela de um apartamento vizinho, apareceu uma jovem de cabelos negros, molhados, que saía do banho, e estendeu também, ao sol, uma grande toalha azul. Não pude deixar de sorrir; creio que ela sorriu também. Ficou um instante a olhar, sacudindo os cabelos ao sol, e depois se retirou cantarolando. Nossas duas toalhas azuis ficaram se acenando na distância, na luz loura, como dois pedaços de céu.

Seria preciso ser um poeta japonês para poder contar isso com delicadeza, esperança e melancolia. Seria preciso ser vinte anos mais moço para vislumbrar um aceno do destino nessa coincidência suave e trivial.

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As meninas, as moças de José de Alencar! Passei anos sem ver essas imagens que deixei perdidas em minha própria adolescência. Hoje, deixando os olhos vadiar pelas estantes, peguei uma velha edição de Diva. Assim conta ele apenas um instante da beleza de Mila:

“Tinha sua tez a cor das pétalas da magnólia, quando vão desfalecendo ao beijo do sol. Mimosa cor de mulher, se a aveluda a pubescência juvenil, e a luz coa pelo fino tecido, e um sangue puro a escumilha de rósea matiz... Uma altivez de rainha cingia-lhe a fronte, como diadema cintilando na cabeça de um anjo. Havia em toda a sua pessoa um quer que fosse de sublime e excelso, que a abstraía da terra. Contemplando-a naquele instante de enlevo, dir-se-ia que ela se preparava para sua celeste ascensão”.

As meninas, as moças de José de Alencar!

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