Conheci numa noite de festa pelo casamento de Di Cavalcanti — felicidades, oh nubente alvinitente! — uma alta e bela moça que faz pintura.
Não lhe vi os quadros à luz do dia, nem posso julgar a sua força. Havia apenas, no salão, dois pequenos retratos a óleo feitos por ela. Eram dois autorretratos; e me contaram que desde os 14 anos essa moça se retrata.
Parece-me comovente essa história de uma pessoa sensível à própria beleza, que vai escrevendo, ao longo dos anos, a legenda, em imagens, de sua existência. Ela tem hoje 20; e não é sem emoção que um homem qualquer, que a conhece hoje, contempla a moça de 14 anos em sua própria interpretação juvenil, e se pergunta se apenas a face mudou, ou foi sua maneira de sentir a si mesma.
Tudo muda; mas nesse jogo delicado entre o olhar que vê e o olhar contemplado, e que são o mesmo olhar, a graça e o mistério da mudança não é menor que a emoção da permanência.
Ela me falou, com uma ponta de desprezo, de seu autorretrato dos 14 anos; talvez, mais tarde, volte a amá-lo. Pensei em tudo o que essa moça tem por viver e sentir, e nos reflexos que as luzes e sombras da vida irão jogando sobre as suas cores primaveris. No estranho vigor que sua mão tomará um dia para traçar um radioso momento de sua vida de mulher; na leve melancolia com que, pela primeira vez, deixará um traço branco entre os cabelos; na mão trêmula que traçará as linhas de uma velha cabeça enrugada e encanecida...
Sou um homem de mau gosto, que a moça, enlevada no encanto da própria beleza, saiba perdoar, com um sorriso, essa mesquinha sugestão de um futuro distante e frio. Isso lhe será fácil; no fundo do coração os moços não acreditam na velhice.
Quando o outono vier, sua defesa é ver seus olhos de luz menos viva com olhos mais sábios e vividos. Mas a verdade está nos momentos que ela vive, debruçada sobre o mistério da própria beleza, sentindo o fluir misterioso do tempo e do sentimento.