A coisa mais triste do Natal é aquela mesma que para muita gente está mais dentro do espírito do Natal, que é a bondade para com a pobreza. Nobres e ricas senhoras se lembram de levar um pouco de conforto e de alegria ao barraco do pobre: e lançam mão de seus recursos — e dos alheios — para comprar utilidades e brinquedos que sirvam de presente. Há quem deteste a caridade, e ainda mais a caridade em data fixa, e acha que essa migalha que os afortunados lançam à pobreza é a esmola do fariseu. É preciso remover as causas da miséria e não apenas lhe dar um mimo hipócrita e irrisório pelo Natal.
Quem diz assim deve ter razão. Mas se pobres aceitam, e querem esses presentes, eu é que não vou tentar convencê-los com belas palavras de que eles fazem mal. Creio que eles são melhores juízes do que eu do que lhes convém e agrada. Mesmo que eu lhes dissesse frases lindamente coloridas de adjetivos eles com certeza dariam preferência aos embrulhos de presentes, que também são coloridos e não deixam de ser mais concretos.
O que me pergunto é se não haveria um meio de evitar esse espetáculo doloroso das filas imensas, tristes filas de mulheres humildes, muitas de criança ao colo, que se postam horas e horas, ao sol e à chuva, à espera do presente. Pior ainda: à espera de um cartão que lhes dará direito a entrar depois em outra fila para receber o presente. Que o leitor se detenha 20 minutos junto de uma dessas “bichas” melancólicas e lentas, e ouça a conversa dessa gente humilde. Verá que esse gesto bonito de Natal resulta, para os beneficiados, numa fadiga monótona; há uma tristeza sem fim nessa paciência dos pobres que passaram o ano a fazer filas e pelo Natal fazem a maior de todas; sofrem, cansam-se, passam fome e sede, afagam ou xingam as crianças que choram ou gritam. O que poderia haver de doçura e de espontaneidade no gesto cristão se perde nessa burocracia aflitiva da fila, nos movimentos desses milhares de corpos tristes, no cansaço desses pés descalços ou mal calçados que marcam passo durante horas a fio. Fiz outro dia essa experiência; e aquela espera enorme e infeliz me pareceu mais deprimente do que tudo; aquelas conversas, aquela pobre esperança, a humilde cupidez dos olhares, as perguntas sobre que “eles” estão dando. “Eles” é o outro lado da vida, é o outro lado da humanidade, são as senhoras bem lavadas, bem vestidas, bem penteadas, de filhos bonitos e sadios que dão gritos de alegria junto da grande e bela árvore iluminada, fazendo correr o fabuloso trenzinho elétrico. “Eles” são os donos das casas, das fábricas, do país. “Eles” vão dar presentes; mas no fundo “eles” não merecem muita confiança, dão presentes desiguais, demoram muito, são cheios de horários e de exigências: e será que o presente que “eles” vão dar vale mesmo a pena dessa espera imensa? Há um ambiente quase de desconfiança, uma expectativa quase mortificante, um receio de não receber coisa tão boa como outro pobre: quando o presente chega ainda há um sorriso, um agradecimento, mas também o sentimento de que aquilo foi conquistado e não ganho....
O espírito de Natal será tão fraco que não permita formar equipes de gente de boa vontade que corram as ruas pobres dos subúrbios e subam os morros para visitar as famílias, para deixar em cada casa aquela dádiva dos ricos?
Que os pobres esperem em suas filas; eu já disse que não me sinto no direito de lhes dizer que não, eu que apenas lhe posso dar inúteis palavras e vazias frases. Mas essas tristes mulheres enfileiradas, com suas criancinhas sujas e doentias esperando, esperando — Isso me parece uma sátira viva, tremenda, amarga, triste demais do espírito de Natal. Seria preciso um Goya para traçar, nessas figuras deprimidas pela doença, pela miséria, nesse friso torto de necessidades, uma estampa simples e ácida com uma legenda exclamando, entre anjinhos fagueiros e gorduchos: “Feliz Natal! Feliz Natal”!