Toda pessoa que escreve habitualmente nos jornais recebe cartas de leitores; e é inevitável que depois de um certo tempo não lhes dê mais grande atenção.

Na verdade, a maioria das cartas não têm, mesmo, qualquer importância: são elogios, ataques, perguntas ou sugestões banais.

Há também (especialmente com letra de mulher) muita carta escrita à toa, por simples literatura, ou porque a missivista queira mostrar-se interessante diante de alguém que ela julga que o seja.

Mas essa carta que me veio há pouco, de uma pessoa que diz que “para adotar um nome qualquer eu me assinarei Maria”, é tão ingênua quanto comovente. Ingênua porque inspirada na vaga esperança de que um desconhecido, só pelo fato de escrever no jornal, e às vezes, sobre coisas de amor e suas tristezas, possa lhe dar algum conselho útil, ou pelo menos esclarecer suas dúvidas mortificantes. E comovente, porque é escrita de alma aberta, sem a menor preocupação de valorizar o próprio caso. “Sei que isso tem acontecido com muitas, que é perfeitamente banal, mas você, que é homem, talvez possa me dizer...”

E seu tom, que às vezes quase chega ao desespero, tem, em outras linhas, um sabor de quem faz ironia consigo mesma, com essa espécie de experiência, que nem a inteligência nem a sensibilidade lhe adiantam de muita coisa — e que, afinal, é ridículo, ou pelo menos inútil, levar as coisas pelo lado patético.

A certa altura ela me criva de perguntas, umas angustiosas, outras engraçadas, e conta minúcias assim: “ele muitas vezes se referiu, sorrindo, ao fato de que eu não sei pregar um botão direito, e sempre acreditei que ele achasse engraçada essa minha falta de habilidade e também um certo desprezo que sempre tive por essa e outras “prendas domésticas”; agora eu sei que quando lhe estava para cair um botão do paletó, ele o arrancava e guardava no bolso para quando se encontrasse com uma certa amiga minha — a tal — que lhe dizia, de um modo que ele não sabia se era carinhoso ou zombeteiro, que adorava pregar botões. É que, meio de brincadeira, meio a sério (ela dizia que para não me comprometer, a mim que lhe estou escrevendo esta carta) propôs que eles guardassem entre si este negócio de pregar botões como um segredo; você desculpe eu estar lhe contando essas ninharias (que eu soube por pessoa a quem ele contou) mas acontece que, depois dessa brincadeira de “ter um segredo em comum”, eles começaram a ter mais outro e mais outro, e no fim tiveram tantos que isso deixou de ser segredo para todo mundo... menos para mim, que ainda estive muito tempo bobeando”.

E lá vem uma dessas perguntas infantis e angustiosas, que só as mulheres abandonadas fazem: “será que é mesmo importante para um homem essa coisa de mulher saber pregar botões”?

*

Não, minha senhora, eu não responderei a esta sua pergunta, nem a tantas outras que me faz, mesmo porque algumas delas envolvem questões que a humanidade procura resolver desde o começo dos tempos.

Tudo o que a experiência me ensinou a aconselhar, em matéria de tristezas de amor, é apenas isto: “paciência, que passa; e quando não passa melhora”.

O que é horrivelmente pouco, e triste, mas é, na verdade, honestamente, tudo o que posso dizer — pois o resto, que aconteceu comigo, eu ainda não consegui entender.

rubem-braga
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