Ontem eu vinha com um amigo pelo Arpoador quando ele se deteve, junto ao posto de salvamento. Ali existe uma placa explicando, em três línguas, o sentido das bandeirinhas que são hasteadas no mastro do posto. Banho normal, com assistência, banho perigoso, com assistência, banho perigoso, sem assistência. Meu amigo, que é diplomata, e tem passado estes últimos cinco anos quase sempre fora do país, achou que aquele aviso, tão bem feito, era um sinal de progresso do Brasil. Na Suíça — disse ele — seria uma completa banalidade; mas aqui no Rio esse capricho, essa atenção dos funcionários municipais, mostra que entramos em uma era nova...
Quando continuamos a andar, meu amigo se voltou para ver o que diziam as bandeirinhas do posto, agora que ele já conhecia o código. E não havia bandeirinha nenhuma.
Não havia, como não há placas na maioria das esquinas, como não há policiamento nos bairros, como não há água nas torneiras, como não há telefone, como não há transporte. Mas a manhã era tão bonita e a água estava tão boa que a nossa conversa anfíbia, dali a dois minutos, não chegava a ser triste. Mesmo sem bandeirinhas o mar existe — disse ele — e isso a Prefeitura ainda não conseguiu acabar, nem mesmo encarecer; apenas consegue sujar com seus esgotos em alguns trechos. E, entre dois mergulhos, chegamos à conclusão de que a nossa sorte está em que esses governos da cidade e do país ainda não conseguiram organizar a nossa vida como eles gostariam. No dia em que isso acontecer, estaremos perdidos. Se todas as leis, regulamentos e portarias existentes sobre a nossa cabeça fossem cumpridos, o Brasil ficaria irrespirável. Será eternamente inexplicável como o povo mais católico do mundo é aquele em que se faz com mais furor o Carnaval; e isso que acontece no terreno espiritual é apenas uma pequena mostra de nossas inconsequências na vida quotidiana.
Nossa vida é toda feita à margem de sua própria organização; nós vivemos “por fora”, como pagamos na feira o produto tabelado. Não temos normas; temos “jeitos” de fazer as coisas. A Câmara não aprova o parlamentarismo; mas o Executivo o pratica diariamente, com o ministro da Fazenda a discutir com o presidente do Banco do Brasil, o diretor da Central com o ministro da Viação e até há pouco tempo o chefe de Polícia com o ministro da Justiça. Enquanto eles debatem, não resolvem nada; e enquanto eles não resolvem a gente vai vivendo. Não há divórcio, mas a gente se casa outra vez. As favelas são proibidas, mas o pobre continua armando o seu barraco. Quando conseguimos firmar mais ou menos a nossa democracia — graças a um golpe militar — entregamos o posto supremo — graças a eleições livres — a um velho ditador. E quando lemos no jornal que está proibido o futebol nas praias, murmuramos distraídos: “é mesmo, precisamos comprar uma bola”.
No meio de tudo isso os Fenianos estão ameaçados de penhora e leilão de seu patrimônio — e o leiloeiro, que é “democrático”, dá um jeitinho de evitar o leilão. Entre os bens está um busto em gesso do sr. Getúlio Vargas avaliado em cem cruzeiros. Eu gostaria de arrematá-lo. Faria presente dele à minha cozinheira, que votou em Getúlio e se ele ficar dependurado em cima do fogão de cabeça para baixo eu não tenho nada com isso.