As onças pintadas estão bem: saíram das horríveis jaulas em que viviam entediadas e agora passeiam pela grama, entre altas palmeiras imperiais; podem nadar, subir pedras, dormir na furna — e brincam, se dão tapas amoráveis, rolam felizes pelo chão. As girafas existem — o que, para girafas, já representa um esforço estranho e sincero, visto que ninguém continua entendendo como podem existir bichos assim. Visitei Nancy, a hipopótoma: estava quietinha dentro d’água, com a cabeçorra mergulhada e às vezes a erguia para aspirar a brisa da tarde meiga pelas suas grandes narinas redondas e vermelhas — que tinha o cuidado de cerrar hermeticamente antes de mergulhar outra vez. As ariranhas me pareceram muito alegres, os elefantes um pouco sem assunto. As senhoras macacas estavam todas entretidas em fazer cafunés em seus senhores macacos, que se deixavam coçar e acarinhar com ares muito lânguidos, na doce tarde de outono. 

Não gosto de me meter na vida dos outros, mas acredito que dentro de alguns meses deveremos esperar alguma novidade a respeito de dromedários. O casal estava em um namoro fechado, cada um enrolando o pescoço no pescoço do par: mordiscos e grunhidos ao mesmo tempo ternos e nervosos. Quando começou a escurecer, muitos bichos ficaram calados, mas as araras, cabotinas, se puseram a berrar os próprios nomes, e os periquitos e maritacas periquitavam e maritacavam com alarido e escarcéu.

Saímos. Entre as altas folhagens a luz era quase pálida, mas as sombras vieram crescendo devagar, como tangidas pelo vento, e de repente tudo ficou quase rosa, depois violeta, sobre o velho parque. Saímos. E pelas esquinas, onde autos buzinavam atrás de bondes apinhados de gente, tínhamos a impressão de estar em outro jardim zoológico, mais nervoso e mais triste. Esses bichos chamados gente se recolhiam aos ninhos e tocas, no escurecer. E a cidade nos pareceu muito grande e muito pobre, tão cheia de gente e tão mal iluminada, se paralisando em qualquer esquina, numa agitação melancólica. Mas subimos, passamos o túnel da rua Alice — e paramos um instante lá no alto. Agora as luzes de Botafogo e Laranjeiras piscavam lá em baixo, tímidas, o céu era azul escuro, com as primeiras estrelas e uma talhada de lua — o céu era alto e sereno sobre a terra vasta e humilde cheia de bichos — e nós dois, sem tédio, nem ternura, apenas lado a lado, éramos dois bichos quietos, mansos e talvez, por distração, felizes. 

rubem-braga
x
- +