Olho, na tardinha quase fria de céu leitoso, o morro de Santo Antônio. Não para o lado da Polícia Especial, árido lugar de homens façanhudos que às vezes se divertem em atirar nos pombos.
Vejo o barranco verde que fica acima da linha do bondinho de Santa Teresa. Duas árvores cor-de-rosa estão em flor, a maior me parece uma paineira. E há folhas de bananeiras se movendo docemente entre os casebres ― e todo um tufo junto de uma casinha de madeira azul. Há árvores de fruta, mangueiras, abacateiros e, principalmente, na encosta, o verde alegre, vivo, satisfeito do capim que a chuva abençoou. Esse verde do capim do morro de Santo Antônio, tão mais claro que outros verdes da paisagem, é uma velha amizade de meus olhos, desde que me movo no centro do Rio.
E sinto, neste momento, uma pena de saber que vão desmontar o morro. Deviam era tirar a Policia Especial dali, arrumar outra morada para a gente da pequena favela e fazer desse morro tão lindo uma espécie de parque, onde houvesse grandes árvores, bichos mansos, um aquário, piscinas, um jardim de infância, bancos para namorados humildes.
Penso no Pincio, de Roma. Mas reconheço que o Rio não é Roma; é uma cidade estrangulada, onde as ruas pedem licença para passar, espremidas, entre as montanhas e o mar ― ou melhor, os mares, porque há o de dentro, o de fora, o do sul, o do norte. E digo apenas ao amigo mais velho que veio à janela me pedir fogo para o cigarro:
― Agora vão mesmo derrubar esse morro. É preciso, mas é uma pena.
Ele sorri:
― Há trinta anos que ouço falar isso. Se você gosta do morrinho, pode ficar sossegado: ele é que derruba os prefeitos.
Já tinha ouvido dizer isso. Mas as necessidades da geografia são mais fortes que a incúria dos prefeitos. Perderemos um dia esse monte verde, alegre, no meio de nossa paisagem de cimento. A cidade cresce. E alguma coisa, dentro de nosso peito vadio de amante da cidade, vai diminuindo, vai se apertando como se, velho muar sentimental, o coração perdesse, com aquele capim bonito, um pasto de saudades e lembranças queridas.