Recebi a sua carta, amigo, e tudo o que lhe posso dizer é um horrendamente banal — “aguente a mão”. Você me dirá que não tem feito outra coisa. E eu lhe direi que há uma técnica em relacionar sua tristeza de hoje com sua felicidade de pouco tempo atrás. Considere a situação atual como o triste e inevitável ramerrão da vida, não como desgraça especial. E os meses de felicidade jogue-os em sua lembrança, para algum território e tempo remoto, um sonho que você sonhou e viveu, um milagre que houve, uma extraordinária gentileza da vida: no lugar de lamentar que tenha acabado, você deve se maravilhar de que tenha havido. Ou então, amigo, morda um bom pé de mesa — que isso passa.
Eu, por mim, vou bem; estou equilibrado e posto em sossego. Já o mesmo não acontece com o país, que vai adernado e com vento de proa, com mão boba no leme. Conheci outro dia uma encantadora senhorita de São Borja, e pela primeira vez me ocorreu perguntar que diabo de santo era esse Borja; ela me explicou que na verdade não houve tal santo, o nome da cidade vem de um outro, São Francisco de Bórgia, que foi vice-rei da Catalunha e depois de viúvo se fez jesuíta, e foi Geral da Companhia. Canonizaram-no um século depois de sua morte; e como a Igreja é muito exigente e minuciosa em reconhecer seus santos, devemos acreditar que ele era mesmo um santo homem. Nem por isso deixava de ser Bórgia e jesuíta: o que, de resto, não explica nada sobre o município, nem seus filhos, mas é bom a gente saber as coisas e tomar nota.
Você dirá que nada disso lhe interessa e clamará que está triste e precisa de apoio e consolo do amigo. Já lhe disse que mordesse um pé de mesa, terapêutica velha e boa. E depois? Depois morda outro. Como as mesas costumam ser quadrúpedes, você terá ainda muito entretenimento. Divirta-se e adeus.