Um leitor me escreve e diz que tem uma namorada. Costuma passear à noitinha com sua namorada nos jardins ao lado do Campo de São Cristóvão.
E expõe o seu problema: os bancos são muito poucos e “o senhor há de compreender que não se vai obrigar u’a moça a passear horas e horas sem lhe permitir um descanso, de maneira que nós, como outras pessoas, costumamos sentar no gramado da praça, o que não é muito cômodo, mas é agradável”.
Ora, acontece que há guardas em São Cristóvão e os guardas não gostam que ninguém sente na grama; e implicam especialmente com os namorados. “Em vista disso ― escreve ele ― sou obrigado a burlar a vigilância dos guardas, para sentar um pouco, com a atenção presa à perigosa aproximação dos homens fardados, como se eu fosse um autêntico fugitivo da polícia. Eu pretendo continuar assim por muito tempo, mas seria preferível que nos dessem bancos para sentar, ou então mandassem os guardas caçar os verdadeiros criminosos”.
Alega o missivista, que ali perto, na Quinta da Boa Vista, reina a maior liberdade e não aparece nenhum guarda para impedir “cenas de falta de pudor aos olhos do público, ao passo que seu correto namoro é tão perseguido. E tem esta frase, que é um suspiro atravessando a cidade: “os namorados dos jardins de Botafogo são bem mais felizes”.
Pede que eu faça alguma coisa a seu favor e promete me convidar para seu casamento ― “mas o senhor ainda terá de esperar uns dois anos”.
Esperarei, meu caro Silva, e com certeza com menos impaciência do que você. Apenas não vejo como eu possa ajudá-lo a fazer com que seu namoro seja mais ameno. Se eu tivesse prestígio com o prefeito, pediria um banquinho cativo, debaixo de uma árvore e longe do poste, para você e sua namorada. Não tendo, o mais que posso fazer é dirigir um apelo a autoridade (não sei qual é) que tem força sobre os guardas de São Cristóvão. (Não há de ser você, Henriquinho de Melo Morais!). Explicando que jardim é feito para namorar e grama é feita para namorado sentar.
Sei que há outros problemas talvez mais graves no Brasil e no mundo: guerra, seca, inundações. Isso não impede, porém, que procuremos resolver o modesto problema de nosso amigo Silva. Ele não pede um Cadillac nem uma reforma social e parece conformado com a ideia de que só poderá se casar com sua amada daqui a uns dois anos. O que esse bom cidadão deseja é namorar em sossego no jardim de seu bairro.
General Âncora: vamos prestigiar o Silva. Nós precisamos prestigiar o Silva, defender o direito sagrado do Silva, pois isto é o sal da terra e o começo e o fim da democracia. Esse rapaz quer sentar ao lado de sua namorada, e se um guarda serve para alguma coisa ele deverá ficar postado a certa distância, de costas, para evitar que alguém perturbe o namoro do Silva. Sim, eu sei que isto é um modesto começo para uma grande revolução moral, mas se não nos ocorre uma ideia melhor, general, podemos começar aí: defendendo o amor e o sossego do Silva.