Uma pessoa me escreve dizendo que deseja manter correspondência comigo, pois acha (o que muito me desvanece) que somos "almas irmãs". Há na sua carta um tom de simplicidade e ingenuidade que me comove. Deve ser uma pessoa de vida tranquila e sossegada, com tempo para esses devaneios, para essas pequenas aventuras do sentimento.
Ah, como eu gostaria, alma irmã, de escrever para você. Não assim à máquina como estou fazendo neste momento. Escrever a pena, devagar, tentando fazer boa letra, talvez em papel azul. Trabalhando em jornal desde rapazola, jamais conheci mas sempre invejei essa volúpia de escrever, de manter uma longa correspondência com uma desconhecida. Há uma frustração na minha vida: nunca tive uma namorada no Jornal das Moças. Ainda existe o Jornal das Moças?
Quantas vezes sonhei em adotar um lindo pseudônimo – "Príncipe Azul" ou "Cavalheiro Triste" e trocar bilhetes delicados com "Magnólia do crepúsculo" ou "Odalisca do Sonho"...
Gilberto Freyre, que com tanta argúcia e sensibilidade, conseguiu fazer história e sociologia com ajuda dos anúncios de jornal, se esqueceu dessa espécie de anúncio, o sentimental, através do qual as "almas irmãs" se encontram. É grande e triste o território do Brasil, e ao longo de suas léguas há muito coração fremente e solitário. Existe coisa mais linda que o encontro desses corações?
Conheço um caso que não posso contar direito porque receio ser lido pelas pessoas nele envolvidas. Numa cidade do interior, que não é a minha, mas que não desejo referir – vamos supor. Tucunaré – havia uma professora de família muito boa, e cheias de prendas, muito benquistas entre os outros – mas sem amor. Era feia e sem graça e estava ficando solteirona. Um belo dia ela começou a trocar recados, através do Jornal das Moças com um senhor que morava em um estado muito distante. Depois passaram a se escrever diretamente. Depois trocaram fotografias – e é inútil dizer que o retrato da professora Isolina (digamos assim) foi muito bem retocado. Depois ficaram noivos por correspondência, e cada um deu endereços de pessoas de responsabilidade que poderiam dar informações a seu respeito –prefeito, coletor nacional, deputado estadual. A essa altura em Tucunaré todo mundo já sabia que a professora Isolina estava noiva – o que as outras solteironas da terra comentavam com ironia feroz e despeito secreto. Afinal, a grande notícia: a professora Isolina vinha se encontrar no Rio com o noivo. Aqui se casariam, depois iriam a Tucunaré para que ele conhecesse toda a família dela, depois iriam para a terra dele.
Uma semana depois, dois cidadãos de Tucunaré encontraram a professora Isolina na saída de um cinema, no Rio. Perguntaram sobre o casamento – e ela, de lágrimas nos olhos, disse que o noivo tinha rompido o compromisso. Amigos da família da professora Isolina, os dois cidadãos pediram o endereço do sujeito. Era ali mesmo, no Hotel Avenida. Foram lá, bateram à porta do quarto do homem. O sujeito tentou se explicar dizendo que agira de boa fé, mas a professora Isolina é o que o lograra, era muito mais feia e mais velha do que fizera crer. Mas sua explicação foi interrompida por um dos visitantes:
– Escute uma coisa. O senhor fez essa moça vir até aqui para casar, e vai casar. Ela é uma das melhores famílias de Tucunaré e não pode passar por esse vexame.
E puxando o revólver:
– Ou casa ou leva uma bala na cara. O senhor não pode fazer pouco de uma senhorita de Tucunaré. Querendo se queixar a polícia, então vá. Mas eu ou meu amigo ou algum outro homem de Tucunaré te dará um tira na cara, disto não tenha a menor dúvida, seu aventureiro de…
O aventureiro pensou muito – e casou. Casou na frente de toda colônia de Tucunaré. Casou no civil e casou no religioso. Apenas negou-se a ir a Tucunaré conhecer a família de Isolina – mas levou-a para sua terra. E – escutem esta, oh almas virginais que acreditais no amor – o casal teve muitos filhos e foi, e ainda é, muito feliz. As cartas de dona Isolina, que só uma vez voltou a Tucunaré, não deixam dúvida nenhuma. Parentes seus já foram mais de uma vez visitá-la no estado distante e voltam encantados com o marido e os filhos. Devem estar bem velhos agora, marido e mulher – mas envelhecem docemente, de que eram mesmo, como nos livros, no Jornal das Moças, duas “almas irmãs”.