Lembrança dos momentos de conforto físico, de felicidade animal tão perfeita que chega a produzir uma espécie de lirismo sem endereço. Em Roma, vindo da linha de frente, depois de uma viagem cheia de peripécias, a enorme vasca (banheira) do apartamento que me deram no Hotel Excelsior, cheia de água quente. Em um seringal do Acre, depois de uma pescaria noturna, enlameado, exausto e com frio, a caneca de cachaça e a rede que um velho caboclo me ofereceu em seu rancho.
Instantes intensos de contemplação: em uma tarde de sol e vento do mar, um encontro com Tônia Carrero no pátio do Ministério da Educação. Seu vestido azul e branco como os azulejos, os cabelos louros, os olhos azuis, o edifício, as árvores, seu sorriso amigo, o vento, tudo se fundiu em beleza pura. Em plena linha de frente, uma noite, perto do Gaggio Montano, sob intenso bombardeio, ao entrar em uma casa de camponês: a um canto da sala, entre fios de telefone e armas jogadas, apetrechos de guerra e de lavoura, a terra tremendo — uma jovem italiana que dormia vestida, linda, quieta. Vi-a à luz de minha lanterna: no primeiro instante pensei que estivesse morta, jogada ali. Mas seus seios arfavam de leve. O jato de luz desenhou sua face pura, entre cabelos acastanhados. Corri todo seu corpo com a luz: não estava ferida, estava perfeita, da cabeça até os belos pés descalços, e puros. Seria inútil acordá-la, eu não poderia levá-la para parte alguma; saí.
Um momento de tédio perfeito, de desespero seco, em que a ideia de morrer parece um oásis em um deserto. Uma noite quente, em um navio lerdo, no meio do Atlântico, passei horas olhando as águas escuras: depois fui dormir e sonhei que tinha me jogado discretamente n’água, que o navio já ia muito longe e que eu morria sozinho, no escuro, no meio do oceano, perdidamente triste, mas feliz.
E os outros momentos exaltados demais, felizes demais, desgraçados demais, ridículos demais, que a gente não pode nem contar nem esquecer.