Vi as sombras da noite avançando sobre o mar, entre árvores trêmulas. A tarde se lembrou que era fim de maio, e esfriou; então, como um bicho obediente, eu fiquei triste. O céu mandava ficar triste; de longe ainda vinham melancólicos pios de pássaros, os últimos que se recolhiam, e me senti tão sozinho como se fosse uma criança perdida numa praia deserta.

Assim estava meu coração desarmado na sua tristeza quando chegou a tua lembrança, e eu não pude enxotá-la, porque ela veio de manso, como trazida pelo vento cansado da tarde. Era doce e meiga, como às vezes foi a tua presença; e pousou em mim. Não fiz um gesto, nem murmurei uma palavra de ternura; fiquei quieto, sentindo o leve peso de tua lembrança como o homem que tem sobre o peito uma cabeça de mulher e fica imóvel para não despertá-la. Esse homem por fim adormece; e quando acorda ainda tem um vago cuidado em não perturbar a sua amada; e então vê que ela partiu. E sai pelos caminhos à sua procura, e ergue a voz nos ermos do campo, e não a encontra mais.

Que história é essa que eu invento sozinho, quando a noite já se faz tão escura? Não se parece com a nossa, que é mais amarga e banal. Eu inventei essa história porque senti que a tua lembrança boa, que pousara em meu coração, era apenas um instante; logo viriam outras lembranças ― de desamor, de tédio e desespero.

 Não sou mais um bicho obediente; sou um homem inquieto, e olho a noite. As luzes da cidade se acenderam, e são fracas; no céu há manchas escuras de nuvens, e poucas estrelas. A noite urbana é vazia, chocha e vulgar, e assim também meu coração.

rubem-braga
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