No meio da leitura desse romance Cabra-cega, de Lúcia Miguel Pereira, senti um mal-estar curioso, vontade de suspender a leitura que, entretanto, me prendia.

Demorei um pouco a saber o motivo. Era que eu não tinha a impressão de estar lendo um romance, mas sim de estar ouvindo contar histórias de uma família conhecida; histórias penosas, que me era penoso ouvir, como se eu fosse parente ou amigo e já suspeitasse de todas as coisas que pouco a pouco vão sendo reveladas à moça.

Não que eu me lembrasse de alguma família determinada, se existe alguma cuja vida coincide com a desse romance, eu não a conheço. Mas essa família, em uma tal verossimilhança, está tão bem plantada na Gávea e na realidade, que o livro a certa altura me desgosta não por si mesmo, mas pelo que tem de dégoutant esse acúmulo de coisas tristes. A autora talvez se ria, me achando demasiado sensível para o sexo e a idade, a vida tem me mostrado coisas muito mais feias e mesquinhas do que se conta nesse livro, mas o que me desgosta não serão propriamente os fatos, mas a maneira pela qual eles ferem a sensibilidade de  ngela.

Toda família tem seus podres e escuridões, e talvez esta do livro exagere um pouco no número, embora não na gravidade. Quando eu falo da terrível verossimilhança da história não estou querendo dizer que as famílias da Gávea e do Brasil sejam quase sempre assim. Não. Há famílias perfeitas e felizes. É uma pena que elas deixem de ser tão perfeitas e tão felizes quando as vemos mais de perto, quando entramos em sua intimidade...

É, na verdade, uma terrível coisa, a família. Eu quase diria que é uma coisa... imprópria para menores. Sim, é isto, é imprópria para menores, porque a vida é mesmo imprópria para menores, e família é um bolo de viva vida, com mistura de sexo, dinheiro, vaidade, despeito, amizade, ternura, ódio, fraqueza... e quanto maior é a família pior é a variação de tristezas.

Devemos ainda ficar muito gratos a Lúcia Miguel Pereira por nos lembrar toda essa melancólica verdade de um modo elegante a asseado, que é o de seu estilo.

rubem-braga
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