Os cariocas têm preconceito de inverno; assim como algumas senhoras se julgam obrigadas a usar peles, quase todo mundo pensa que não deve ir mais à praia. Temos tido uma série de dias lindos, com a água do mar a uma temperatura aceitável e um sol esplêndido, muito mais gostoso que aquele sol do verão, violento e mal-educado, que faz frigir os miolos dentro da cabeça. Esta última semana de junho seria, em qualquer outro país do mundo, uma gloriosa semana de sol, convidando a todas as aventuras tranquilas da areia e do mar. E fica todo mundo encafuado em casa, fazendo inverno.
Todo mundo não. Porque chegou o 1º de julho e as crianças alegremente tomaram conta da areia. Parecia manhã de festa em Ipanema: iam surgindo grupos de meninos e meninas, mocinhos e mocinhas, trazendo petecas, bolas e raquetes, tábuas de fazer jacaré, pés-de-pato, óculos de mergulhar, na grande alegria colorida das férias. Adeus, latim e matemática: vossas declinações e problemas serão suavemente esquecidos entre a espumarada e a água azul, na imensa doçura da vadiação. Nunca tive tanta pena dos meninos pobres, dos que, desde o começo, são obrigados a trabalhar de algum jeito para ter o que comer no seu barraco triste, como nesta manhã luminosa em que os outros, livres da tortura das provas escolares, eu os vi chegando à praia em grupos, a rir, a falar alto, senhores do mar e do mundo, senhores do sol e da vida. Mesmo que amanhã um destino clemente dê uma vida melhor a um desses pequenos párias de nossos morros e praias-do-pinto, quem lhes pagará jamais estas manhãs livres que eles perderam, essa festa de pureza e de liberdade a que os outros foram, e eles não puderam ir? Os homens, que se danem; eles que aguentem o tranco da vida, de coração amargado e cabeça baixa; mas as crianças, é insuportavelmente doloroso pensar em crianças roubadas nas grandes, nas simples e profundas alegrias de infância, tesouro que ninguém poderá devolver.
Eu tive uma infância livre e feliz, nos morros, nos córregos, no rio e no mar de minha terra; sem o mínimo sinal ou pensamento de luxo, mas tendo sempre comida para comer e camisa limpinha para mudar, com fazenda nas férias de inverno e praia nos meses de verão. Talvez isso tivesse aumentado o choque recebido depois, quando fui obrigado a ver a cara mais feia da vida.
Mas os primeiros golpes ruins que me vieram já pegaram um rapaz de 16 anos; minha infância ficou para sempre como um país de alegria onde posso voltar a qualquer instante, entre árvores e ondas, para me consolar.
Vendo passar, nesta manhã de sol, esse menino que leva penosamente os embrulhos de um armazém, enquanto os de sua idade estão vadiando na areia ― eu sinto uma pena imensa, vontade de chamar o guarda, chamar o senhor de óculos, chamar todas as autoridades do mundo e gritar que isso é um crime, que isso não pode, não deve ser.