Um telegrama conta que dois rapazes ingleses descobriram, ao norte da cidade de Cusco, no Peru, uma outra cidade inca, cercada de muros de pedra de trinta metros de altura. Está visto que ainda é cedo para saber da importância dessa descoberta, e mesmo se é, de fato, uma descoberta.

Que a coisa é possível, é. Basta pensar que foi apenas em 1912 que uma expedição norte-americana, chefiada por Hiram Bingham, avistou, pela primeira vez, as ruínas imponentes de Machu Picchu, uma das paisagens mais estranhas e soberbas do mundo, para imaginar que em nossa América do Sul ainda há muitos mistérios a elucidar. O que não há, pelo menos no Brasil, é gente curiosa e capaz.

Confesso, sem pudor, que só depois de uma visita que fiz por acaso a Lima e a seu museu é que pude fazer uma ideia da arte desses antigos povos sul-americanos, vendo cerâmica e tecidos do mais alto nível artístico e de uma incrível, estonteante variedade. Certamente já vira fotografias em preto e branco e a cores em álbuns e livros; mas só na presença dessas coisas de beleza é que me emocionei de verdade. Vivemos voltados para o Atlântico e para a Europa; mesmo em nossas escolas superiores, onde se forma uma geração estudiosa e séria, não tenho notícia de moços que se disponham a estudar essas civilizações e sua arte. Sabemos muito mais sobre os assírios e os babilônios...

Ora, é dos Andes que escorrem as águas de nossas duas grandes bacias hidrográficas. Já não há dúvida também de que para o Amazonas escorreram, ao longo dessas águas, alguns povos, talvez fugindo ao domínio dos incas; também parece certo que os guaranis do sul, não se sabe por que motivo, transpuseram a Cordilheira e foram lutar contra povos do Pacífico. De qualquer modo seria impossível tentar um estudo sério de nossa história pré-cabraliana sem estudar os documentos da vida desses irmãos do oeste.

Às vezes, algum piroquete inventa a história de cidades fantásticas na selva amazônica — onde não há sequer uma pedra para construir — mas mesmo as escavações de Marajó e Santarém são poucas e precárias.

Outro dia foi anunciado que o governo concedeu câmbio de algumas centenas de milhares de dólares para importação de... um quadro, por um museu paulista. Com esse dinheiro, quantas obras de arte pré-colombianas altamente preciosas não seria possível descobrir?

Esse interesse pela terra, tão belo e proveitoso em um Roquete Pinto e outros homens de sua geração — não existe mais nos moços? Eu gastaria 100 dólares com uma boa cópia de uma obra de arte europeia e destinaria as outras centenas de milhares à descoberta de obras de arte autênticas dos antigos moradores do Brasil e da América do Sul. A aventura desses dois rapazes ingleses deveria inquietar e inspirar os nossos moços.

rubem-braga
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