Hoje estou escrevendo apenas porque tenho falhado demais: não devia escrever, mas dedicar inteiramente minha tarde de sábado ao aborrecimento e ao prazer de minha gripe. Há muitos anos não me sentia assim, a cabeça tonta e o corpo machucado de gripe, a boca sem gosto para cigarro e comida. Espirro e me sinto fraco depois. Fiquei em casa só e fechei a janela: a claridade que o sol já invisível deixou no céu e no mar me fere os olhos. Fico apenas quieto, sem vontade de ler, de telefonar ou de ouvir música.

Essa depressão doentia tem, entretanto, um certo sabor de infância. Penso nas pessoas de um jeito diferente do que pensava ontem; é um pouco como se eu fosse morrer e antes revisse as suas imagens com uma atenção carinhosa. A febre me dá uma embriaguez leve e terna; evoco a figura suave e triste de minha mãe. E penso nas outras mulheres também um pouco assim, sentindo o que cada uma tem de maternal e protetor e ao mesmo tempo o que elas têm de fraco e precisando de proteção. Não é verdade que eu e meus irmãos sempre nos sentimos diante de nossa mãe, principalmente depois que ela enviuvou, como se  fôssemos seus irmãos mais velhos?

Lembro-me da última vez que a vi; ela não me reconheceu, pelo menos não disse meu nome; mas ficou passando lentamente a mão pela minha cabeça e olhando as flores do caramanchão, para além da janela, com um ar triste. Esse carinho quase impessoal me deu vontade de chorar e ao mesmo me fez bem: aquele gesto não era senão obscuramente, quase inconscientemente, para mim, mas era tão seu! O gesto de dezenas de anos para o marido, os filhos, os netos e sobrinhos. Fiquei quieto, como um bicho triste, mas feliz: para receber aquela bênção eu viera de longe.

Penso agora em minhas amigas, naquela com quem me aborreci ontem, e a quem, entretanto quero bem; na que vi hoje pela manhã, que estava tão simples e tão bela, e que jamais consegui rever sem emoção; na que encontrei sem esperar uma noite destas, e foi tão de repente e ela estava tão linda que me senti como um homem que sai de casa em uma noite que, fechado entre as paredes e as luzes elétricas, ele julga comum, e ao sair divisa comovido, toda branca e cheia, no céu azul, a Lua.

Agora não penso mais em ninguém; a gripe me produz uma sensação de vazio e de fraqueza. Fechar a máquina e ficar simplesmente quieto, à-toa, sem pena e sem prazer, a um canto.

rubem-braga
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