Decididamente eu gosto de Santiago do Chile, mesmo dessas ruas do centro cortadas em ângulo reto, muito dessas praças e principalmente das alamedas e parques onde respiro com delícia o fino ar de começo de inverno…
E a Cordilheira! Ela está a oeste da cidade, altíssima, encapuzada de neve; ela empresta uma estranha dignidade a qualquer paisagem urbana, é como um luar dia e noite, uma promessa de infinito, pureza e solidão. Em certas horas o azul das montanhas quase iguala o azul do céu e entre esses dois azuis os cumes nevados são como nuvens brilhando altíssimas. Em lugar de oprimir, a Cordilheira é uma libertação, é uma grande beleza perene pairando no céu quando elevamos os olhos ao dobrar uma esquina. Santiago tem a mesma altitude de São Paulo e a distância para o porto de Valparaíso e Vinha do Mar é quase a mesma de Santos; entretanto a duas horas para o ocidente estão alguns dos melhores lugares do mundo para os esportes do inverno.
A cidade que não terá muito, mais de um milhão e meio de habitantes, me parece viva, gostei da agitação de suas calçadas, senti prazer nos salões dos hotéis de luxo e na barafunda laboriosa do Mercado Central e de La Vega, cheio de peixe, até baleia aos quilos, de carne, até charque de cavalo, de ostras e mariscos e coisas do mar, até algas que parecem de borracha, cebolas imensas, rabanetes de palmo, as maiores abóboras do mundo, cego cantando, vendedores gritando “venga, caballero”, “venga, señora linda!” casas de nomes pitorescos ou sonhadores, “El Diablo Roto”, “El Negro Bueno”, “Empresa Pesquera Antártica” e tantos coelhos, perdizes, cabeças de carneiro com olhos vidrados e tristes, chouriços e uma infinita charcuteria, carroças puxadas por três cavalos, e essa gente do povo de fala boa, dizendo a cada instante “claro, claro”, de vez em quando “claro, pues”, o negócio com um “giá” que não se sabe se é de origem alemã ou italiana, camelôs da mais alta eloquência (que língua esplêndida para camelôs). O chileno, que tem fama de valente e até doido, tem essa coisa simpática de muitos brasileiros (agora estamos ficando meio metidos a coisa) de falar mal de seu governo e ironicamente de seu país, a própria maneira de falar é um canto modesto, quando digo ao chofer hasta luego – ele me responde – hasta lueguito.
Há zonas cheias de restaurantes e bodegas, muita gente come muito, como em São Paulo na avenida S. João, menos sanduíches do que “empanadas”, fumegantes no ar frio: o vinho é esplêndido, o “pisco” é uma aguardente de uva excelente.
Tinham me dito que Santiago era triste, eu achei antes de tudo uma cidade viva e livre, as mulheres tão independentes e ao mesmo tempo tão encantadoras, os homens cordiais e não apenas a alta sociedade como também a média costuma tomar chá à tarde – um “té canasta” – a gente recebe convites para um jantar dançante que tem o nome irresistível de “comida bailable” eu gosto mesmo de Santiago do Chile.