Escrevi duas crônicas e me recostei um pouco, uns minutos, muito cansado — não das crônicas, mas do incêndio do Vogue e de tudo o que dizem os jornais. De repente me ocorre que estou escrevendo de muito longe, no tempo e no espaço; estou escrevendo sobre coisas já muito passadas; até chegar o dia desta crônica ser publicada a situação política pode estar muito diferente, ter acontecido alguma desgraça, uma guerra civil, ou também não ter havido nada, os jornais estarem com uns comentários subitamente muito chochos, como às vezes acontece no Brasil nos momentos graves. Há dias de depressão em que os fatos não acontecem, ou acontecem de um modo surdo, sem adquirir nenhuma importância real. Tenho saudade de trabalhar de noite em redação como em minha juventude, sair depressa em automóvel para uma entrevista urgente, voltar pela madrugada a tempo de redigir uma nota sensacional, o secretário me apressando: “anda, anda!” e puxando depressa as páginas que vou escrevendo, dois ou três redatores fazendo perguntas e eu sem tempo de responder. “Ponha logo o título”. Mas no dia seguinte abro o jornal com espanto: não saiu nada. Começou a censura? Foi o diretor do jornal que mandou suspender tudo, parar as máquinas, meter o formão na página? Estou confuso, me sinto perdido no fundo desta madrugada chilena, sozinho e sem saber de nada. Sinto-me meio culpado da morte de Carmen Miranda. Quando ela esteve no Rio eu a vi, estava nervosa e triste em uma festa, se esforçando para sorrir, e como não era seu amigo fiquei sem jeito, não soube nem conversar com ela achando que ela estava fazendo um esforço penoso para me dar atenção. Devia ter escrito uma coisa carinhosa sobre ela, não escrevi nada, tive medo de dizer que ela estava triste e, com isso, a entristecer. Sei que essa ideia é uma tolice, mas não a evito. E o rapaz magro, americano, bonito e alto que estava no Vogue? Ele cantava bem, mas na última noite que estive lá saí antes que ele começasse a cantar, dizendo: “é muito monótono”. Pobre rapaz, tanto não era monótono que morreu; monótono sou eu, que fico vivendo, vivendo, e a vida inteira remoendo minhas coisas no jornal.