Unamuno escreve sobre Spinoza: “E, entretanto, esse pobre judeu português, desterrado nas névoas holandesas, nunca pôde chegar a crer na sua própria imortalidade pessoal, e toda a sua filosofia foi apenas uma consolação para essa falta de fé. Como a uns dói o pé, ou a mão, o coração ou a cabeça, a Spinoza lhe doía Deus”.
A mim me dói o ombro ― penso, apenas, com humildade, do fundo de minha bursite. Na verdade, me doem também as pessoas, e perder uma amizade me deixa com o sentimento de amputado. Mas estou doente e preciso de companhia. Pensei em mandar vir meu bicudo, que está na casa do Juca; mas sei que ele é desconfiado, estranharia a viagem e ficaria sem cantar; é, na verdade, o mais estimável dos bichos, mas também o mais cheio de circunstâncias. Emprestam-me um casal de canários belgas; os dois estão separados, mas ele canta com frequência e eloquência e, através das grades, eles começam a se beijar, afinando os bicos um no outro. Disseram-me que era melhor esperar o mês de agosto, mas uns dias antes eu tenho um gesto: retiro a divisão interna da gaiola, e que a vontade de Deus se cumpra.
Hoje pela manhã apareceu o primeiro ovinho. Desculpem dizer a coisa desta maneira; tenho frequentado pouco ultimamente o chamado “café-society”, e de qualquer modo acho que seria do pior mau gosto dizer que a canarinha “recebeu a visita da cegonha”; podia até parecer intriga.
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Estas são as informações que posso dar, no momento, sobre a situação nacional. Mas comecei minha crônica citando filósofos e quero acabar com uma tirada filosófica. Autoria de Isabel, a baiana. O chuveiro de água quente estava meio enguiçado: veio meu excelente bombeiro Heleno, do Leblon (27-1462), retirou uma torneira, soprou lá dentro, e em dois minutos o chuveiro estava bom. Comentário de Isabel:
“Tudo neste mundo é o saber. A gente podia passar a vida inteira olhando a cara dessas torneiras!”.