Um amigo, com certeza impressionado com meus desregramentos, deu-me a ler os Pensamentos morais de Confúcio, traduzidos diretamente do chinês para o francês por René Brémond.

O prefácio nos ensina que Confúcio cresceu pobre e ele próprio conta: “Em minha juventude eu era pobre; adquiri a experiência das coisas humildes e práticas que as pessoas distintas conhecem pouco”. 

Sua manga direita era menor que a esquerda, para facilitar qualquer trabalho. Era moreno e media cerca de dois metros; exerceu vários cargos públicos, sempre se havendo com zelo e honradez; correu grande parte da China dando conselhos aos príncipes, e teve muitos discípulos. 

Conta-nos Brémond que, no começo da atual revolução comunista, Confúcio foi chicoteado, enforcado e queimado em efígie, como burguês e reacionário, mas um estudante chinês lhe disse que com o tempo isso passará.

Confúcio na verdade prega o respeito ao príncipe, a veneração aos antepassados e o amor aos ritos, à cortesia e às tradições. Declarou não ter inventado nada, apenas repetido os antigos. Detestava a eloquência, a cor violeta (é “bastarda do vermelho”), comia pouco e pescava de linha, mas não de rede. Evitava falar de fenômenos extraordinários (discos-voadores, etc.), da violência, das revoluções e dos espíritos, mas acredita nestes.

“Outrora — disse — passei dias sem comer e noites sem dormir para me entregar à meditação. Não tirei proveito disso. É preferível estudar”. 

“Confúcio — diz um de seus discípulos — não amava aqueles que choram seus mortos no meio dos campos”. Pregava a humanidade, ou humanitarismo (não faça aos outros... Amar ao próximo...), a humildade de espírito e a bondade. Mas também a justiça: “Alguém tendo perguntado: devemos pagar o mal com o bem?, o mestre respondeu: ‘Com que pagaríamos então o bem? Paguemos o mal com justiça, e o bem com o bem’”.

Confúcio disse: “Nunca vi um homem amar a virtude tanto quanto qualquer um ama a volúpia”, mas não descria dos homens: “O exemplo da virtude corre mais depressa que o correio imperial”. Admirava o imperador Yu porque sua comida e sua bebida são muito simples, mas suas oferendas aos espíritos são magníficas; suas roupas comuns são grosseiras, mas seu traje e seu chapéu de cerimônia são esplêndidos; sua casa é baixa, mas ele dispensa o maior cuidado aos canais de irrigação”.

Aprendeu lavoura, criação e música e deu bons conselhos aos governantes; por exemplo: “No governo é preciso, antes de tudo, dar de cada coisa uma definição exata. Se as definições não são exatas há confusão nas ordens e o serviço é mal feito. O governo deve assegurar ao país: os víveres, a força militar e a confiança do povo em seus governantes. Se ele tiver de dispensar um desses três deveres, abandonará em primeiro lugar a força militar; em segundo lugar os víveres”.

Dizia: “Aquele que serve a um príncipe deve lhe chamar a atenção para seus erros; não deve duplicá-los”. Achava que só na adversidade podemos conhecer as pessoas e dizia isso de um modo bonito: “É somente com a chegada do inverno que notamos que o pinheiro e o cipreste conservam suas folhas quando as outras árvores já as perderam”.

Aborrecia a vulgaridade e o excesso de intimidade: “Yen Ping Tchong é excelente em suas relações com os amigos; por mais íntimos que sejam, ele os respeita. As mulheres de segunda ordem e os homens vulgares são difíceis de tratar; se os tratamos com familiaridade, eles nos faltam ao respeito; se os mantemos à distância eles ficam descontentes”.

Tinha um sentimento muito vivo do fluir do tempo e das coisas: “O Mestre, passando sobre um curso d’água, disse: ‘Tudo passa, como essa água; nada se detém, nem de noite, nem de dia’”.

E observava, com uma certa melancolia que não seria descabível também em nosso tempo, a evolução dos costumes: “Antigamente os ambiciosos eram faustosos; hoje são insaciáveis. Antigamente os orgulhosos eram distantes; hoje são irascíveis e agressivos. Antigamente os ignorantes eram honestos; hoje são astuciosos”.

Não acredito que a leitura de Confúcio me faça muito bem, mas é o próprio Mestre quem me consola disso, dizendo: “Os defeitos que persistem em um homem de quarenta anos são incorrigíveis”... 

rubem-braga
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