Éramos turistas. Éramos, talvez um pouco demasiado, turistas. Falávamos alto, apontávamos coisas, ríamos à toa, nosso carro tinha placa diplomática; nós tínhamos sotaque, ignorância e até máquinas fotográficas. Na verdade, havia chilenos a bordo, mas nenhum era dessas praias. Visitamos uma aldeia de pescadores, muito pitoresca e muito suja, como toda autêntica aldeia de pescadores do mundo, com suas redes a secar ao sol e seus barcos descansando na areia. Almoçamos na toca de um barbudo amigo, junto ao mar bravo, perante uma pequena ilha habitada de pinguins; sobre nossas cabeças as gaivotas grasnavam...
Já conheço bastante essas pequenas praias de veraneio deste setor do Chile, e estimo essas casas alegres, construídas até a metade de pedra e daí para cima de pinho. Elas têm um estilo próprio, ora ligeiramente arrebicado, segundo a fantasia e o gosto de seu dono, ora encantadoras de simplicidade, muitas com paredes de vidro voltadas para o mar. Mas todas têm uma coisa em comum: são cercadas e às vezes cobertas de flores, essas pequenas flores silvestres do Chile, com todas as gamas vivas entre o vermelho e o roxo, vibrando de graça entre o mar e o sol. Não há que cuidá-las muito: espraiam-se com facilidade e energia, galgam muros e moitas, numa profusão brilhante.
Quando chegamos a Zapallar, percebo por que os veranistas desta praia falam com desdém das outras. Ela é toda voltada para o norte, protegida completamente dos rigores dos ventos do sul. Nada mais doce que andar por esses caminhos entre as f1ores e árvores imensas e desembocar de repente na praia alegre e limpa. Entardece. Resolvemos dormir aqui, no velho hotel, que talvez seja fechado este verão, as tábuas do assoalho rangem sob nossos passos, mas tudo está encerado e limpíssimo, e o parque imenso é uma floração de glória. O vento traz um perfume de mar e de eucaliptos, e o olor suave das flores; pássaros cruzam os ares... vamos para o bar. Depois, na mesa de jantar, fazem-me sentar ao lado de uma mulher de seus trinta e poucos anos. É discreta, quase bela, vestida com sobriedade; uma senhora. Conversa com outra, e em silêncio tenho prazer em ouvir esse diálogo de chilenas, sempre começando por um “oye” e acabando por um “claro”. Pergunto-lhe se já conhecia Zapallar e ela me responde que há três gerações: seu avô foi dos primeiros a construir uma casa aqui. E me fala do lugar com simplicidade, lembra quando era muito criança e vinha passar o verão aqui.
E então eu compreendo que em sua presença nós devemos ser discretos e disfarçar um pouco nosso ar de turistas. Seríamos, talvez, levemente odiosos... ela está em sua casa, ela conhece o nome dos pescadores e a história das casas, é velha amiga do vento, das árvores e do mar. Daí seu ar tranquilo; faz parte da paisagem, vive na alma das coisas, sabe onde se deve mirar o pôr do sol e o nascimento da lua, e há de ter um leve desdém para nossa curiosidade apressada, gulosa, exterior, de turistas. Como somos inúteis, inconsequentes, frívolos, ridículos!
Discreta, com sua voz doce, ela me dá, sem contar quase nada, uma lição de Zapallar. E eu sinto o que muitas vezes sinto quando amo um lugar do mundo: vontade não apenas de estar aqui, mas de ser daqui, dono tranquilo de lembranças antigas, sem nenhum deslumbramento de descoberta, mas com a doce, quieta, sensação de estar em casa.