A última e grave crise política do Chile ― agora, me parece, já ficando para trás ― teve como causa a negação de asilo a alguns estudantes peruanos, que a polícia argentina ia entregar à peruana em um avião que teve de descer em campo chileno. Os estudantes já estão aqui, e se o governo remediou prontamente o erro causado por algum de seus homens, não é de esperar que ele ceda à oposição a ponto de denunciar e punir o culpado que, de resto, poderia perfeitamente ter agido de boa-fé.
Mas o incidente veio mostrar até que ponto os chilenos consideram importante e sagrado o direito de asilo. Em seu próprio hino nacional o Chile se proclama um “asilo contra la opressión”. O Regulamento Constitucional Provisório de 1812 já estabelecia: “Todo infortunado que busque asilo em nuestro suelo será objeto de nuestra hospitalidad y socorro, siendo honrado”.
Os chilenos se orgulham dessa bela tradição, e graças a ela já viveram aqui, através dos tempos, e muitas vezes contribuíram para o desenvolvimento da cultura nacional, alguns dos melhores e maiores homens de outros países.
Ercilla faz, em seu último número, uma reportagem sobre os exilados políticos que hoje, como sempre, são numerosos no Chile. Adverte, logo, que sobre argentinos é impossível dizer qualquer coisa, pois eles passam a fronteira com a simples carteira de identidade, e a polícia não pode, assim, controlar sua existência e número. Fora disso estão registrados 4.250 exilados, provenientes de sete países. Os espanhóis foram o grosso, com 1.800 antifranquistas chegados em 1939 pelo Winnipeg e mais uns 500 que foram chegando depois. Uns passaram mais tarde a outros países, alguns voltaram a Espanha, outros morreram, muitos se naturalizaram chilenos. Os exilados peruanos são cerca de 1.500 e os bolivianos cerca de 550. Muitos destes estavam no governo boliviano quando o Chile abrigava outros 500 exilados bolivianos ― que hoje estão no governo.... Os venezuelanos são cerca de 100, chegados em 1954; têm as mais diferentes colorações políticas só se identificam num ponto: são todos inimigos do governo Pérez Jiménez. Há um casal de Salvador e uns 100 fugitivos do governo Castillo Armas, da Guatemala. Cada um desses homens vive como pode, dando aulas numa universidade ou trabalhando numa fábrica. Há um advogado peruano que fundou um restaurante chinês, um antigo inspetor geral do trânsito boliviano que prepara sanduíches em um café e um importante burocrata que hoje vive da pesca.
E há também os exilados voluntários ― pelo menos eu sei de um exilado voluntário do Brasil e posso dizer que esse às vezes tem saudades de sua terra e de sua gente; mas quando começa a ler os jornais, no dia da chegada do avião da Panair, e vê toda essa triste conjuminância política de confusões e briguinhas, a saudade passa...