Publicada, posteriormente, em Ai de ti, Copacabana, Editora do Autor, 1960.
Desde agosto não caía uma gota de chuva em Santiago. Ainda bem que nas torneiras ― oh, leitor carioca, meu semelhante e meu irmão! ― a água é abundante e limpa, e jorra à vontade para que à tardinha todo honesto cidadão possa regar suas plantas. Só na Inglaterra há gramados como no Chile, tão verdes, tão macios, tão perfeitos e lindos; o chileno trata o capim como se fossem flores.
Numa tarde vagabunda de sábado andei passeando pelo parque Balmaceda, cheio de árvores, crianças, flores e namorados. Não é proibido, felizmente, pisar na grama. É proibido colher flores e jogar bola, mas isso representa mais uma opinião das placas da Prefeitura que uma realidade humana. Aqui e ali três meninos jogam bola e uma garota colhe flores sem que o guarda, por esse motivo perca seu bom humor. Também já fumei duas vezes no ônibus, ignorando o aviso, e ninguém me chamou a atenção; Chile, graças a Deus, é um bom país latino.
Mas falávamos de chuva: choveu. Choveu de tarde e à noite inteira, e o dia amanheceu enevoado. Depois o céu foi se limpando ― e há três dias, enquanto a lua cresce, ele está azul, esplêndido, sem uma nuvem. Assim chegou o frio, ainda moderado, sem descer além dos 7 graus. Mas, com a chuva, o ar ficou mais fino e o alto cimo da cordilheira se cobriu de neve. É difícil contar esse lado da paisagem, esse alto horizonte, essa imensa muralha azul toucada de neve que brilha ao sol. Quando o sol vai morrendo do outro lado do horizonte, a cordilheira começa a mudar de cor — a montanha se faz violeta, a neve às vezes tem reflexos púrpuros ou róseos, o azul do céu vai se fazendo mais grave no crepúsculo alto e solene.
Santiago não tem mar; mas tem a leste essa presença de abismo e de infinito, essa paisagem de estranha força, pureza e paz ― de uma oceânica beleza.