17 abr 1955

Cordilheira

Periódico
Correio da Manhã

Publicada, posteriormente, em Ai de ti, Copacabana, Editora do Autor, 1960.

Desde agosto não caía uma gota de chuva em Santiago. Ainda bem que nas torneiras ― oh, leitor carioca, meu semelhante e meu irmão! ― a água é abundante e limpa, e jorra à vontade para que à tardinha todo honesto cidadão possa regar suas plantas. Só na Inglaterra há gramados como no Chile, tão verdes, tão macios, tão perfeitos e lindos; o chileno trata o capim como se fossem flores.

Numa tarde vagabunda de sábado andei passeando pelo parque Balmaceda, cheio de árvores, crianças, flores e namorados. Não é proibido, felizmente, pisar na grama. É proibido colher flores e jogar bola, mas isso representa mais uma opinião das placas da Prefeitura que uma realidade humana. Aqui e ali três meninos jogam bola e uma garota colhe flores sem que o guarda, por esse motivo perca seu bom humor. Também já fumei duas vezes no ônibus, ignorando o aviso, e ninguém me chamou a atenção; Chile, graças a Deus, é um bom país latino.

Mas falávamos de chuva: choveu. Choveu de tarde e à noite inteira, e o dia amanheceu enevoado. Depois o céu foi se limpando ― e há três dias, enquanto a lua cresce, ele está azul, esplêndido, sem uma nuvem. Assim chegou o frio, ainda moderado, sem descer além dos 7 graus. Mas, com a chuva, o ar ficou mais fino e o alto cimo da cordilheira se cobriu de neve. É difícil contar esse lado da paisagem, esse alto horizonte, essa imensa muralha azul toucada de neve que brilha ao sol. Quando o sol vai morrendo do outro lado do horizonte, a cordilheira começa a mudar de cor — a montanha se faz violeta, a neve às vezes tem reflexos púrpuros ou róseos, o azul do céu vai se fazendo mais grave no crepúsculo alto e solene.

Santiago não tem mar; mas tem a leste essa presença de abismo e de infinito, essa paisagem de estranha força, pureza e paz ― de uma oceânica beleza.

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