É fácil falar em ilhas a quem, como a nossa esplêndida Rachel de Queiroz, mora no subúrbio chamado Governador. Mas ilha, ilha mesmo, a ilha mais ilha, mais ilhada deste mundo, é a da Páscoa, ou Rapa-Nui. Pertence ao Chile, mas fica no meio do Pacífico, a 3.700 quilômetros da costa e a 1.850 do arquipélago mais próximo.

Ali é que foram encontradas as grandes cabeças de pedras, estranhos monumentos deixados por um povo remoto. Haveria um Continente no meio do Pacífico, ou pelo menos um grande arquipélago ― esta é a única explicação para aquelas carantonhas de rocha. Um maremoto teria afundado o resto das terras, e os sobreviventes da ilhota morreram de fome; só mais tarde ela foi repovoada por outra gente vindo em canoas da Polinésia ― pois essa gente não conserva qualquer memória nem dá qualquer explicação sobre os monumentos.

Por que não confessar que sonhei em visitar essa ilha? Sondei a respeito nosso adido naval. Ele disse que também já pensara nisso ― mas desanimou. Há um navio da Marinha chilena que de vez em quando vai a Páscoa, mas a viagem de ida e volta gasta trinta ou quarenta dias. E de avião? Só aparelhos grandes têm autonomia de voo para uma tal viagem, e não há campo onde possam descer; está sendo construído agora, mas talvez só fique pronto dentro de um ano e meio, dois anos. Em suma: nossa viagem à Páscoa foi comutada em uma viagem ao bar do Carrera. Mas a minha melancolia teve seu consolo. Leio em Ercilla que o ideal dos nativos da ilha é... vir ao continente. São 740 pascuenses que sonham ― pelo menos os jovens ― em visitar o Chile, a terra firme, o mundo. Uma pequena missão esteve lá, e lhes ensinou uma porção de coisas; a missão foi retirada, ficou apenas o comando naval, e eles se queixam em cartas ao “meu pai, o senhor presidente da República”. 19 deles vieram estudar no continente: apenas uma pequena minoria dos que desejam fazer o mesmo. Uma das moças conta ao repórter: “Meu irmão fez o serviço militar com o capitão Salvadores e aprendeu mecânica; mas depois que o capitão veio embora ele ficou sem saber o que fazer. Sonhava em vir para o continente, conhecer as oficinas, as fábricas, os motores de que o capitão falava. Não o deixaram vir no navio. Um dia ele desesperou e embarcou em uma canoa com um amigo. Lá em casa nós todos choramos muito, porque pensamos que ele tivesse morrido no mar. Depois soubemos que o mar o levou a Taiti...”

Assim, nas ilhas perdidas do Pacífico, os homens sonham com continentes, e passeiam seu sonho de ilha em ilha. Dobrei o jornal e pedi outro pisco sour, quase sem nenhuma tristeza. 

rubem-braga
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