Publicada, posteriormente, em A cidade e a roça, José Olympio, 1957, e em 200 Crônicas escolhidas: as melhores de Rubem Braga, Record, 1977.
Ouça a crônica de Rubem Braga na voz de Katya de Moraes, bibliotecária da Coordenadoria de Literatura do IMS.
No meio da noite despertei sonhando com minha filha Rita. Eu a via nitidamente, na graça de seus cinco anos.
Seus cabelos castanhos ― a fita azul ― o nariz reto, correto, os olhos de água, o riso fino, engraçado, brusco...
Depois um instante de seriedade: minha filha Rita encarando a vida sem medo, mas séria, com dignidade.
Rita ouvindo música; vendo campos, mares, montanhas; ouvindo de seu pai o pouco, o nada que ele sabe das coisas, mas pegando dele seu jeito de amar ― sério, quieto, devagar.
Eu lhe traria cajus amarelos e vermelhos, seus olhos brilhariam de prazer. Eu lhe ensinaria a palavra cica, e também a amar os bichos tristes, a anta e a pequena cotia; e o córrego; e a nuvem tangida pela viração.
Minha filha Rita em meu sonho me sorria ― com pena desse seu pai que nunca a teve.