O homem e a mulher vinham de Cabo Frio, na madrugada, após um longo e tremendamente agitado fim de semana. Formavam um casal já estabilizado, a caminho do crepúsculo. Infelizes não eram; se no sonambulismo há alguma espécie de felicidade, esses dois seriam, então, felizes. O grande consolo da velhice lhes faltava: seus netos cresciam em Brasília, uns, e em Washington os demais. Assim, quando não estavam telefonando para os Estados Unidos ou para o planalto central; se não expediam o Brasil por via aérea, na forma de goiabada cascão e compota de manga; quando chegaram ao fim as férias escolares e o silêncio voltava a ocupar o espaço em que por semanas dominava a algazarra dos netinhos brasilienses, esses dois ficaram francamente sem imaginação.
Nessa noite a Variant se desviou bruscamente da estrada, imobilizando-se no acostamento. O homem ao volante declarou:
— Depois de todos aqueles exercícios físicos, e mariscos, e peixadas, e batidas de coco, e vinhos, e conhaques, e partidas de pôquer, e discussões sobre a política do desenvolvimento, e passeios de lancha, e saunas e duchas... Depois disso tudo, minha senhora, não aguento mais. Estou morto.
— Eu também — disse a mulher. — Também me sinto completamente morta.
Voltaram à estrada. Beberam água num posto de gasolina, onde consultaram o concessionário do bar sobre a existência de hotéis decentes naquela região.
— Há um hotel aqui perto que é um luxo — informou o interlocutor. — O senhor entra à direita, na primeira estradinha que encontrar. Vai indo na pista de areia e, quando em vez de areia houver um tapete vermelho, é o hotel. Tem tapete em toda parte.
Seguiram. A pista de areia de fato se abria à direita, na escuridão com cheiro de mato, a uns 25 quilômetros de distância de Niterói. Depois encontraram o famoso tapete, estavam no hotel: um sobrado de excelente aspecto, com uma lanterna acesa no portal. Observaram, parqueados, uns oito automóveis de modelo recente.
— Sabe onde vamos dormir? — perguntou ele, lançando um olhar meio maroto à cara-metade.
— Claro que sei. Vamos pernoitar num hotel suspeito.
— Hotel suspeito qual nada, minha senhora. Hoje em dia não há mais hotéis suspeitos. Isso agora se chama hotel de alta rotatividade.
— Bem, mas a finalidade é a mesma.
— Exato. Em essência, é a mesma coisa.
E eis aqueles dois numa atmosfera de sonho: a alcova erguida na penumbra azulada, o tapete nos quais os pés afundavam, a grande cama, os espelhos, a música de frequência modulada... Uma espécie de biombo dividia o cômodo em dois: de um lado, a mesa de jantar, já posta, e do outro a intimidade inviolável dos casais altamente rotativos. Junto à mesa, com a carta na mão, um discreto mordomo aguardava ordens. O marido cansado consultou-a: era um cardápio internacional.
— Mas vocês tem tudo isso, mesmo de madrugada?
— Temos tudo — respondeu o mordomo. — E nosso chef é Cordon Bleu.
— Deixe-me ver então a carta de bebidas.
Viu: havia o Natu Nobilis mas também havia o Chivas; o Chateau Duvalier e o Mouton Rothschild.
Jantaram opiparamente, como se dizia no tempo em que eram ambos jovens, sendo que a mulher, que se casara virgem, naquele tempo não ousaria sequer passar pela frente de um hotel suspeito. Aliás, foi sobre o que ela falou durante o repasto:
— Mas é isso afinal o que vocês chamam rendez-vous? Não estou vendo nada demais....
Fumaram, escovaram os dentes e deitaram-se inteiramente nus, com exceção do sutiã, que ela não quis tirar. Abraçaram-se. Ele suspirou.
— Já pensou...? Já pensou se não fossemos casados um com o outro, e há tantos anos? Iríamos agora mandar uma brasa violenta, hem?...
— Não tenha dúvidas…
Apagaram a luz e dormiram, já idos e vividos.