17 abr 1954

Férias conjugais

Periódico
Manchete, nº 104
coluna: Conversa Literária

Ele, escritor de renome, estava sinceramente convencido da utilidade das férias conjugais. Lava a alma. Bom para ele e para ela. O convívio cotidiano insinua entre marido e mulher uma fadiga, uma irritabilidade, quase um rancor. A separação temporária e periódica preserva o casal dessa imperceptível poeira que se infiltra nos corações e os impacienta e desgasta. Dizia ele para a mulher:

– Um dia desses, você é capaz de implicar com o meu nariz e tomar nojo de mim. 

– Mas eu acho seu nariz um amor, meu bem, ela rebatia com um carinho irônico.

– O nariz ou qualquer outra coisa, voltava ele com o despeito dos desarmados. Para prosseguir, patético: 

– Na Legião Estrangeira é exatamente isso. Os soldados se trucidam só porque, depois de certo tempo, uns não aguentam mais ver a cara dos outros.

Não ficou no exame psicológico da questão. Mudando para o tom persuasivo, insistiu em motivos práticos, domésticos, fisiológicos, climatéricos, terapêuticos, econômicos, pedagógicos. Ela andava cansada e nervosa. Dois meses na fazenda lhe fariam um bem extraordinário. Sem falar nas crianças. Essas, era um crime deixá-las nesta África. Além do mais, queria que seus meninos aprendessem o que é um boi, um cavalo, um porco.

A mulher, tirante o pesar de perder os dias de praia, já compreendera a necessidade de ir com os filhos para o interior. Se resistia, era apenas para pesar as razões dele, medi-las, cheirá-las, a ver se lobrigava entre toda aquela argumentação um intuito escondido, um rabo de saia, o adultério.

Dispôs tudo para o conforto do marido, arrumou as malas e partiu com as crianças. Na estação, disse adeus com um beijo e uma recomendação disfarçada em brincadeira:

– Espero que quando voltar você não esteja casado.

À primeira vez em que ele apareceu sozinho, os amigos repetiram a cansada malícia: 

– Então, solteiro, hein!

Mas ele sorriu enigmático e puro como se houvesse recuperado a virgindade. Durante uma semana, viveu venturoso como um rei. Sentia-se dono de um poder extraordinário e não queria gastá-lo. Deixava-se embalar na volúpia da liberdade. Podia chegar tarde, levantar a qualquer hora, jogar cinza no tapete, ouvir a vitrola no máximo, bebericar com os amigos depois do trabalho, tudo...

Funcionou uma semana apenas essa tranquilidade régia. Depois, as providências tomadas pela mulher começaram a falhar. A geladeira esvaziou e começou a pingar água. Deu dinheiro à empregada para comprar novas provisões, e ela abarrotou a casa com um desperdício de alimentos. As frutas apodreciam. O jornaleiro, por falta de pagamento, deixou de levar-lhe os jornais. O telefone, também por falta de pagamento, foi cortado. Uma velhinha que vendia biscoitos levou a manhã inteira conversando com ele. Cúmulo do azar, a empregada desapareceu. Teria morrido atropelada? Teria levado as joias? Não havia ninguém para atender a porta. Não tinha camisa limpa, a tinturaria não trazia o seu terno. Foi fazer café e queimou a mão. Doido de fome, quis fritar um pedaço de linguiça e o fogareiro explodiu.

Seu reinado foi entrando rapidamente no crepúsculo. Estava ilhado e feroz entre as coisas que se desmantelavam.

Outro dia, finalmente, acordou cercado de água por todos os lados. Tinha na véspera deixado a torneira aberta, caso o precioso chegasse enquanto ele dormia.

Trocou de roupa, meteu os pés na água, contratou com o garagista a drenagem da casa, bateu apressado para a primeira agência de Correios e Telégrafos: “Morto de saudade volte o mais breve possível ponto beijos”.

paulo-mendes-campos
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