Periódico
Manchete, nº 824
Publicada também em: livro O anjo bêbado, de 1969.

Que é maturidade? Não me lembro de ter entrevisto uma definição nos meus desenfadados piqueniques pelos bosques da psicologia. Erich Fromm, invertendo os termos da equação, diz que a saúde mental é atingida quando o homem se desenvolve até a plena maturidade segundo as características e leis da natureza humana.

Equivale dizer que maturidade é pleno desenvolvimento. Certo. Mas como iria eu fingir a arrogância de conhecer as características e leis da natureza humana? Sendo a nossa natureza o resultado de leis instintivas e faculdades adquiridas pela razão, temos de concluir que o homem, contrariando a evidência aritmética, é a soma de duas parcelas heterogêneas: instinto e razão; simius mais homo sapiens.

Um matemático bem-humorado concluiria que a falência individual e coletiva do homem adviria dessa adição aberrante: podemos ser sublimes e grotescos, angélicos e repelentes, heróis e pusilânimes, mas não chegaremos nunca ao conhecimento de nós mesmos, e muito menos à conjuração de nossas forças contrariadas. Nenhum indivíduo chegará ao paraíso da saúde mental; nenhuma sociedade construirá a civilização. Somos e seremos sempre contrafeitos frutos de um absurdo aritmético; nossa confusão mental e psíquica prevalecerá; a capacidade de criar o tumulto, que sempre interrompe as tentativas de estabelecer a ordem, é um desígnio humano. Banidos de um jardim animal, nossa condição cósmica e subjetiva é a terra de ninguém. Em suma, nossa própria razão nos demonstra que somos um erro.

Deixemos entretanto a desapontada certeza do matemático: continuemos somando as maçãs e as bananas da natureza humana. Minha dificuldade em saber o que é maturidade, dada a premissa de Erich Fromm, consiste no fato de me ser impossível determinar em cada criatura o quanto entra de razão e o quanto entra de instinto. Ignoro ainda até que ponto a razão se exaltou à custa de uma minimização do instinto e até que ponto, e dentro de que circunstâncias, este instinto é componente indispensável de uma boa saúde mental. Ou de uma plena maturidade. Desconheço também, por mim e pelos sábios que me ensinam, até que ponto, a fim de manter a saúde mental, devo submeter minhas forças instintivas ao interesse social das convenções e às minhas conveniências pessoais. Nenhum especialista poderá me assegurar quais são as proporções e os limites ideais de tudo isso. Na verdade, a terra de ninguém é extremamente movediça.

Não, não sei, jamais saberei o que é a maturidade. Mas sei perfeitamente reconhecer a imaturidade, quando ela se manifesta. Reconheço-a antes de tudo em mim, que cheguei esperançoso à idade de merecê-la sem que se operasse o milagre. Por vezes tive a boba e grata ilusão de estar chegando lá. Controlei alguns demônios menores; outros espontaneamente me deixaram; senti valorizar-se em mim o sentido da justiça e da fraternidade; meu egoísmo se reduziu, dando mais espaço à compreensão do outro, abri os olhos às minhas complacências indevidas e os fechei aos rigores de juízo enraizados no ressentimento. Demissões, mutações, aquisições se operavam em mim, que esperava, deliciado, a maturidade.

Mas a maturidade não veio. Esvaziei-me no desengano; a princípio com uma tristeza; depois com uma espécie de contentamento venal; depois com uma quase indiferença, seca e sem gosto como a poeira. 

Há em mim grandes partes deterioradas; há em mim umas poucas fibras já atingidas pela doçura do outono; e há em mim – o que é irreparável – grandes estrias verdes que não querem morrer.

paulo-mendes-campos
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