A revista Diretrizes deu a notícia incrível que Osório Borba comentou domingo: a pedido dos comerciantes da rua Direita, o Sindicato dos Lojistas de São Paulo pleiteou e obteve o seguinte da polícia daquela capital: proibição dos negros passearem pelo Triângulo e mudança, para pontos afastados do centro, das sociedades recreativas onde predomina o elemento de cor.
Amigos meus chegados de São Paulo confirmam isso e adiantam que a resolução da polícia despertou uma grande revolta na opinião. Não é para menos. O que os comerciantes da rua Direita alegaram é que o passeio que os negros costumam fazer pelo Triângulo espanta dali muitos fregueses que têm preconceito de cor. Ninguém ignora que a maioria dos comerciantes do Triângulo é de estrangeiros. Isso aumenta a gravidade do caso, e, com ela as responsabilidades do Sindicato dos Lojistas. Quanto à atitude da polícia, é francamente inqualificável. Para atender à solicitação de lojistas de mentalidade imunda, a autoridade policial passa por cima de todas as leis e costumes deste país, dá ordens inconstitucionais e absurdas, e provoca – pela sua posição francamente odiosa e claramente ilegal – uma emoção popular que pode ter as mais desagradáveis consequências.
Ninguém se iluda. Esse caso é muito grave e não deve, não pode ficar – não ficará – por isso mesmo. O que está em jogo não é apenas a dignidade humana dos pretos – é também a dignidade dos brancos. São os direitos mais elementares e jamais discutidos do povo do Brasil. Ceder ou de algum modo transigir com uma estupidez dessa ordem seria abdicar demasiado. Se há algum prejuízo para a burra de alguns lojistas devido aos preconceitos de algum imbecil, que os lojistas, incomodados, se mudem. Os italianos, alemães, sírios e portugueses que vão comerciar em seus respectivos países, com a passagem custeada, pelo governo do Brasil, e acompanhada de uma ordem de expulsão. Os brasileiros idiotas que acompanharam ou apoiaram esses estrangeiros devem ser segregados de qualquer contacto com elementos de cor em uma cadeia destinada especialmente a arianos puros.
Os negros de São Paulo resolveram requerer mandado de segurança ao juízo competente e vão, além disso, se dirigir ao presidente da República. Assim a estúpida determinação policial cairá forçosamente. Ninguém o duvida. Mas isso não basta. É necessário estabelecer uma vigilância continua contra esses indivíduos que querem perturbar a ordem e a paz da família brasileira. É preciso que os responsáveis por esse incidente vergonhoso sejam apontados e punidos com toda a severidade – para que amanhã eles ou outros não venham, de maneira mais disfarçada, tentar fazer coisas do mesmo gênero.
Esse caso de São Paulo não é único: é apenas o mais escandaloso, o mais repugnante, pela desfaçatez. Que ele sirva para levantar – como está levantando – uma reação decidida de todos os brasileiros dignos contra esses conúbios da estupidez, da ganância, da miséria moral e do quinta-colunismo divisionista. O que provoca maior escândalo desta vez é ver uma autoridade policial – cujo nome infelizmente não conhecemos – se juntar a um sindicato de lojistas inconscientes que não se envergonhou de endossar a atitude nojenta de alguns de seus membros, para ferir, ainda mais do que as leis e os costumes, os sentimentos do povo.
Esses provocadores de lutas internas que não se enganem. Eles não conseguirão criar no Brasil os conflitos de raça. No dia em que conseguissem, poderiam estar certos de que os negros não lutariam sozinhos: ao seu lado estariam os brancos, todos os brancos decentes e brasileiros de verdade, que ajudariam a limpar o Brasil desses idiotas racistas. Porque não é apenas uma raça que essa sordidez dos lojistas do Triângulo atinge: é, eu já o disse, e eles talvez já comecem a senti-lo, a dignidade de todo o povo.