Apresento-vos um navio que não é dos maiores do mundo: tem 26 metros de popa a proa, e seis de largura. Está sendo todo pintado de branco; assim ficará mais bonito. Estão sendo arrumados seus oito camarotes, e também seu bar com uma boa geladeira. Foi lançado à água em 1926, mas agora está todo renovado, e galante.
Quereis fretar esse navio e nele navegar a vossa tristeza e o sonho vosso? Arranjo por três dias; e pagareis oitocentos cruzeiros por dia. Isso inclui, senhor, a lenha para o motor de oitenta cavalos, e o pagamento dos treze tripulantes, inclusive o papo cordial e a cachacinha fornecidos em seu próprio camarote pelo comandante Pedro Pichim. Seu nome, tal como ficou registrado em Moscou, é Pedro Epichim, e assim ele se assina; mas está acostumado a ser chamado de seu Pedro Pichim.
O cozinheiro é bom, e não ficareis espantados ao reparar, por exemplo, que o timoneiro às vezes usa um enorme facão de mato pendurado no cinto. Nosso barco é muito florestal. Nele podereis subir de Regência do Rio Doce a Colatina e entrar em muitas lagoas, inclusive na maior e mais bela de todas as lagoas de água doce deste imenso Brasil, de água muito clara e muito funda, cercada de floresta imponente, com a Ilha do Imperador no meio, tendo uns 32 quilômetros de comprimento e na maior largura uns cinco.
Nesse navio podereis levar, se tendes muitos amigos, até trezentas pessoas, e se tendes muitos haveres, até 25 toneladas de carga. Aconselho-vos a não levar tanto, pois se é verdade que o Juparanã cala, sem carga, apenas 55 centímetros, também é certo que seu casco se afunda na água mais um centímetro por duas toneladas de carga; de maneira que, tendo muito peso, ele perde o que me parece ser seu encanto principal, que é a presteza e graça com que acode ao chamado de qualquer bandeira branca na margem, encostando os peitos no barranco, como pata maternal.
Assim essa viagem de 130 quilômetros desde a Barra até Colatina tem na verdade muito mais do dobro, não só pelo capricho do canal como pelo bom coração de nosso barco. Às vezes aparece uma bandeira branca à margem direita e outra à margem esquerda; e nem é bandeira direito, é um saco de algodão ou um simples lenço, qualquer farrapo branco chamando, mandando seu apelo da fímbria da floresta escura. E lá vamos costurando o rio, da margem norte à margem sul.
Quando anoitece, basta ao caboclo ribeirinho agitar uma lanterna ou lamparina, um simples tição bem aceso para que o Juparanã mude de rumo e, com sua grande roda traseira batendo como um coração amigo, vá apanhá-lo na barranca humilde. E ele é amigo de suas irmãs menores, essas canoas do Rio Doce, canoas de peroba, cobi, vinhático, cerejeira, oiticica, araribá, seja de vinte metros de comprido e quatro palmos e chave de largura, seja canoinha boieira que um menino guia. O canoeiro, do meio do rio, faz um sinal, e ele para, delicado. O canoeiro vem vindo, e agita um papel na mão:
– Firmino, esta carta é para botar no correio em Colatina...
E se o canoeiro viaja, sua canoa também vai. Temos nesta viagem atadas a cada lado seis canoas compridas, e Pedro Pichim me diz que chega a levar trinta em suas ilhargas amigas.
Não é preciso comprar passagem, e fica entendido que em cima é primeira classe e embaixo é segunda. Camarote e comida são pagos em separado. Pedro Pichim, o velho lobo do rio, leva na mão um caderno escolar onde toma nota do nome do passageiro e o preço da passagem: da fazenda Maria Bonita até a fazenda Boa Esperança, ele calcula, por exemplo, dez cruzeiros. Há 26 anos, desde que esse navio, vindo da Alemanha, foi montado em Colatina e lançado às águas do rio, que Pedro Pichim o comanda para baixo e para cima – e ajuda a pôr a mesa, oferece manga às damas e ingá às criancinhas, tão cheio de autoridade e tão simplesmente cordial, já com dois filhos homens na tripulação. Antigamente, diz ele que muitas vezes tinha de cobrar passagem de revólver na cinta, às vezes mesmo na mão porque algum baiano de maus bofes resolvia fazer carinho no cabo do seu facão de mato e dizer que já tinha pago. “Então paga outra vez porque senão encosto o barco no barranco e você salta”.
Quem sobe da barra e vê, logo acima de Povoação, no lado Norte, uma pequena sede de fazenda fazendo um claro no debrum escuro da mata e pergunta seu nome, lhe respondem: é o Império da Boa Vontade. No dia azul em que esse Império se estender pelo mundo, há de ter, como nau capitânia de sua grande Marinha de Paz o barco Juparanã, amigo de todas as bandeiras brancas.