Fonte: A mulher do vizinho. Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1962, pp. 144-146

― É bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo?

― Sei dizer não senhor: não tomo café.

― Você é dono do café, não sabe dizer?

― Ninguém tem reclamado dele não senhor.

― Então me dá café com leite, pão e manteiga.

― Café com leite só se for sem leite.

― Não tem leite?

― Hoje, não senhor.

― Por que hoje não?

― Porque hoje o leiteiro não veio.

― Ontem ele veio?

― Ontem não.

― Quando é que ele vem?

― Tem dia certo não senhor. Às vezes vem, às vezes não vem. Só que no dia que devia vir em geral não vem.

― Mas ali fora está escrito “Leiteria”!

― Ah, isto está, sim senhor.

― Quando é que tem leite?

― Quando o leiteiro vem.

― Tem ali um sujeito comendo coalhada. É feita de quê?

― O quê: coalhada? Então o senhor não sabe de que é feita a coalhada?

― Está bem, você ganhou. Me traz um café com leite sem leite. Escuta uma coisa: como é que vai indo a política aqui na sua cidade?

― Sei dizer não senhor: eu não sou daqui.

― E há quanto tempo o senhor mora aqui?

― Vai para uns quinze anos. Isto é, não posso agarantir com certeza: um pouco mais, um pouco menos.

― Já dava para saber como vai indo a situação, não acha?

― Ah, o senhor fala a situação? Dizem que vai bem.

― Para que partido?

― Para todos os partidos, parece.

― Eu gostaria de saber quem é que vai ganhar a eleição aqui.

― Eu também gostaria. Uns falam que é um, outros falam que outro. Nessa mexida...

― E o prefeito?

― Que é que tem o prefeito?

― Que tal é o prefeito daqui?

― O prefeito? É tal e qual eles falam dele.

― Que é que falam dele?

― Dele? Uai, esse trem todo que falam de tudo quanto é prefeito.

― Você, certamente, já tem candidato.

― Quem, eu? Estou esperando as plataformas.

― Mas tem ali o retrato de um candidato dependurado na parede, que história é essa?

― Aonde, ali? Ué, gente: penduraram isso aí ...

fernando-sabino