Fonte: Deixa o Alfredo falar, Record, 1976, pp. 121-124.
Eu estava num centro comercial de Copacabana e era sábado, pouco depois do meio-dia. Às tantas, comecei a ouvir uma martelação de ensurdecer. O dono de uma lojinha de sapatos para senhoras chegou-se à porta, assustado:
— Que será isso?
E saiu pelo corredor a investigar. Caminhávamos na mesma direção e logo descobrimos que o ruído vinha de uma sala fechada, um curso de ginástica. Batiam desesperadamente na porta, lá dentro — com um halteres, no mínimo.
— Que está acontecendo? — o sapateiro gritou do lado de cá.
Uma voz chorosa de mulher explicou que a porta estava trancada, ela não podia sair:
— Quede a chave? — berrou o homem.
— O professor levou — respondeu a voz.
— Que professor?
— O professor de ginástica.
— Espere, que eu vou chamar o zelador — arrematou o homem, solícito.
E se voltou para mim:
— O senhor podia fazer o favor de procurar o zelador para soltar a mulher? Não posso abandonar a minha loja sem ninguém.
Assim, ele ia tirar a castanha com a mão do gato. Não tive outro jeito senão sair à procura do zelador.
Encontrei-o à porta do prédio chupando uma tangerina. Era um pau-de-arara delicado e solícito, mas infelizmente não podia fazer nada: não tinha a chave da sala.
Voltei ao corredor, vencendo a tentação de cair fora de uma vez, deixar que a mulher se arranjasse. A bateção recomeçara, ela parecia disposta a botar a porta abaixo:
— Abre essa porta! Pelo amor de Deus!
— Calma, minha senhora — berrei do lado de cá: — Vamos ver se a gente dá um jeito.
No corredor ia-se juntando gente, e várias sugestões eram aventadas: abrir um buraco na parede, chamar o Corpo de Bombeiros, retirá-la pela janela.
— Deve ser uma mulher forte pra chuchu.
— Eu se fosse ela aproveitava e quebrava tudo lá dentro.
Pensei em transferir a alguém mais a tarefa que o sapateiro me confiara, não encontrei ninguém que parecesse disposto a aceitar a responsabilidade: todos se limitavam a fazer comentários jocosos, estavam é se divertindo com o incidente. De súbito, me ocorreu perguntar à mulher o número do telefone do professor. Foi um custo fazê-la cantar de lá a resposta, algarismo por algarismo. Saí para a rua à procura de um telefone — tive de andar um quarteirão inteiro até uma farmácia, onde fiquei aguardando na fila. Chegou afinal a minha vez. Atendeu-me uma voz de criança, certamente filha do professor. Que ainda não havia chegado em casa, pelo que pude entender:
— Escuta, meu benzinho, diga para o papai que tem uma mulher trancada na sala lá do curso dele, está me entendendo? Repete comigo: uma mulher trancada...
Não havendo mais nada a fazer, resolvi tomar o caminho de casa — mas a curiosidade me arrastou mais uma vez até o centro comercial, para uma última olhada sem compromisso.
O interesse conquistara todo o andar, espalhava-se aos demais, ganhava a rua: gente se acotovelava diante do prédio, agora era uma multidão de verdade que acompanhava os acontecimentos:
— Por que não arrombam a porta de uma vez?
— O que é que a mulher está fazendo lá dentro?
— Dizem que ela está nua.
A palavra mágica correu logo entre a multidão: nua, uma mulher nua! e cada vez juntava mais gente, ameaçando interromper o tráfego:
— Mulher nua! Mulher nua! — gritavam os moleques.
Dois soldados da polícia militar passaram correndo, cassetete em riste, sem saber para onde se dirigir. A multidão se abriu, precavidamente. Um homem de ar decidido pedia licença e ia entrando pelo centro comercial a dentro, como quem vai resolver o problema. Devia ser algum comissário de polícia.
Era o professor, que comparecia com a chave, não sei se mercê do meu recado. Em pouco a porta do curso de ginástica se abriu e a mulher saiu, ressabiada — completamente vestida. Era baixinha e meio gorda, estava mesmo precisando de ginástica.