coluna: Rosa dos Ventos
Cada vez que eu tenho de falar com alguém vou à rua. Dois telefones, na mesma esquina, à minha disposição: um de fichinha (dez cruzeiros), outro sem fichinha e mais particular (fica na padaria e custa sessenta cruzeiros). Logo existem as pessoas de dez e as de sessenta cruzeiros. Confesso que a maior parte é de dez cruzeiros mesmo. Se não dão linha, se está ocupado, se tem gente esperando, desisto e guardo a fichinha. Acabo descobrindo que são poucos os telefonemas que um homem tem de dar na vida e que quase nenhum deles vale sessenta cruzeiros. Tenho 4 fichinhas guardadas na gaveta.
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A única vez na vida que se sentia feliz era sentada em frente ao espelho dando um jeito no rosto. Dispunha ao redor os cremes, o batom, o rouge, o pó de arroz, coisas molhadas e fofas e com as mãos pequenas criava em si a pessoa que gostaria, na verdade, de ser. Tinha uma cara de 1930 e a disposição de vida antes da guerra. Gostava das miniaturas (que iam onde ela ia e cabiam todas ⎼ um mundo ⎼ na gaveta), de mexer em revistas velhas e tinha uma certa falta de intimidade com tudo que dizia respeito ao sol. Era possuída pela paixão possível apenas aos passivos. Bonitinha, coitadinha, diminutivos. O que havia no fundo de sua bolsa (algumas folhas de papel Yes usadas, algumas joias de imitação) era praticamente o que havia no fundo de sua alminha.
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Os E.U.A., sem dúvida alguma, possuem as pessoas mais interessantes do mundo, a julgar pelo número de autobiografias existentes. George Sanders, Sammy Davis, Bing Crosby, Errol Flynn, Bob Hope, Dick Gregory, Jacte Paar, Jack Douglas, Lilian Roth, Jane Froman, são algumas das que decidiram que o mundo não poderia passar sem saber o que, como e quando, aconteceu com eles. Os autobiografados estão sempre a esbarrar uns nos outros, em seus livros, pedindo “Licença, licença...” Mais de duas mil autobiografias, conta uma revista, entre surpresa e satisfeita. Não deve haver 30 pessoas interessantes em todo o mundo, reparo eu, entre triste e cínico.
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Esse pombo para na janela e dá seus passinhos pra cá e pra lá, mostrando um olho só de cada vez. Bica uma vez aqui e outra ali, dá uma arrepiada e se arroja de novo na área interna do edifício. Dá uma vontade de pegar, quebrar, fazer ele para o ler. Compreendo que os antigos (todo mundo nascido há mais de 100 anos é antigo) abrissem pombos e nas suas vísceras e entranhas procurassem deixas do futuro. Um pombo é tão breve, tão pouco pousado no presente, que só pode vir - tem de vir - de um tempo que ainda vem.