Fonte: Antônio Torres: uma antologia. Rio de Janeiro, Topbooks, 2002, pp. 143-144

Não fui à Festa da Criança. Leio, porém, nos jornais que essa festa excedeu a todas as expectativas. Bendigamos, pois, os corações dos que, durante algumas horas, conseguiram fazer feliz a criança. Mas, deuses do Olimpo, por que martirizar a petizada com dois discursos, como fizeram nessa tremenda festa? Dois discursos e não sei quantos hinos! Às crianças, no dia de sua festa, não se fala. Se se organiza uma festa de crianças, façam-nas brincar à vontade, deem-lhes música, cinema, carrossel e doces em quantidade. Se quiserem ser práticos, ao mesmo tempo que derem doces e balas às crianças, abram créditos nas farmácias e nos consultórios para os pais que forem pobres.... Mas, pelo amor de Deus, nada de discursos. Também já fui criança e detestava os discursos que me falavam da Pátria e de outras coisas desagradáveis. A Primavera é uma figura de retórica muito interessante; mas num discurso, quando somos crianças, a Primavera é pior do que o Verão. E fazer as crianças cantar hinos patrióticos! Há muita gente que dá uma importância supersticiosa aos hinos como inspiradores de patriotismo. É um engano. O francês não tem patriotismo por vir cantando a Marselhesa desde a infância, não; pelo contrário, ele canta a Marselhesa porque é patriota. Quando eu era menino, cantei na escola muitas vezes um hino ignominioso que começa: 

Seja um pálio de luz desdobrado 
Sob a vasta amplidão destes céus... 

Pois até hoje não consegui estimar semelhante cantoria. Em resumo: reunir crianças num teatro para fazê-las ouvir oradores e cantar hinos patrióticos é martirizá-las. Festas de crianças devem realizar-se em parques e jardins, com toda a liberdade de ação e grande quantidade de confeitos. A criança estima acima de tudo estas duas coisas deliciosas: liberdade e açúcar...

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