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A festa da melancolia...

 
Fonte: Antônio Torres: uma antologia. Rio de Janeiro, Topbooks, 2002, pp. 135-136

As nossas batalhas de confetes se notabilizam por não terem confetes. Nesse caso, uma vez que os confetes entram nessas batalhas com tanta parcimônia, deem-lhes outro nome: “Batalha dos Empurrões”. Chamar batalha de confetes a uma festa em que eles pouco aparecem é falta de bom senso. J’appelle un chat un chat et Rolet un fripon, como dizia o defunto Boileau... Há ainda um outro nome que se podia perfeitamente ajustar a esses ajuntamentos de povo na Avenida: “A Festa da Melancolia”. Quem quiser ter ideia da grande, da imensa melancolia nacional deve vir ver uma batalha de confetes. Então terá ocasião de observar aspectos curiosos; na calçada, bem no meio-fio, homens e mulheres enfileirados, algumas com criança de mama ao colo, e olhando todos, muito sérios e muito graves, para os carros onde também passam cavalheiros muito graves ao lado de damas gravíssimas. Ontem até havia um senhor de tratamento (como dizem as donas de pensão) vestido de preto, sobrecasaca, colete branco e cartola lustrosa, sim, senhores, cartola luzidia à meia-noite em batalha de confetes! Mas prossigamos: na calçada, gente séria; nos automóveis e carros, com algumas exceções, gente que apenas sorri (e que sorriso de raça fatigada de ainda não existir!...), gente que apenas sorri e passeia como se estivesse de tarde na Avenida Beira Mar. Nos intervalos deixados pelos veículos e ainda nos passeios, vem então a multidão dos passeantes, pobre gente que se aperta e se acotovela... para divertir-se. É nesses lugares que se encontram os rapazes da moda, a jeunesse dorée. A nossa jeunesse dorée vem para a Avenida disposta a divertir-se muito. Como, porém, não há entre eles ideias a respeito de diversões, nem dinheiro com que possam custear novidades, então adotam um meio fácil e econômico de divertir-se: formar o que se chama um “monômio” e sair ululando coisas em calão. É a mais encantadora jeunesse dorée deste continente. A não serem esses rapazes, que dizem chufas às senhoras e dão alguns berros de meia em meia hora, os demais passeantes andam pela Avenida, serenamente e gravemente, como se perlustrassem alamedas do S. João Batista ou do Caju em dia de Finados. Aliás já tenho observado que nos cemitérios, em dia de Finados, há, entre os visitantes de túmulos, certa alegria algo elegante, talvez por ser discreta.... Demais, dá-se um fato: em dois de novembro as flores são mais abundantes nos Campos Santos do que os confetes e serpentinas aí na Avenida em dias de festa... Mas façamos ponto aqui. A nossa melancolia é tal, que comecei estas linhas com a intenção de tratar de uma festa carnavalesca e acabo tratando de coisas fúnebres. Não há como resistir aos fados...

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