Publicada em Ai de ti, Copacabana, Editora do Autor, 1960, pp. 51-53.
Olhem, para falar verdade, eu acho bom essa coisa de viver o nosso presidente a esvoaçar para um lado e outro do Brasil. Não sei porque, mas anima o interior e conforta o país, esse presidente volante que sorri cada dia em um município, dá abraços, come seu frango ao molho pardo e angu, inaugura um troço qualquer, diz coisas otimistas. Na minha opinião isso só pode exaltar, como é uso dizer agora.
O Brasil já é de natural triste, com sua gente perdida pelas imensidões melancólicas, ficaria pior com um presidente casmurro e imóvel dentro do Palácio.
A oposição, que é mal-humorada por princípio, diz que assim o presidente não tem tempo para se concentrar no estudo de nossos problemas, não pode governar.
Por mim, eu prefiro um presidente voando a dois na mão. Voando, ele é um anjo federal, que não faz mal a ninguém, obriga a festinhas com banda de música e champanha. Sempre sobram uns docinhos para as crianças.
Ah, eu fui criança no interior e jamais peguei sequer uma visita de presidente do Estado; lembro-me, entretanto, de minha alegria quando apareceu lá em Cachoeiro o secretário da Educação do Estado. Era o velho Ubaldo Ramalho, alto, ereto, bem vestido. Foi a primeira personalidade que eu vi. E achei ótimo aquilo, os foguetes na estação, a formatura do Grupo Escolar e das escolas, nós todos ali, e banda de música, hino nacional, guaraná grátis, o prefeito, o juiz, todos os locais bem vestidos, cumprimentando, sorrindo, dizendo por favor, por obséquio, tenha a bondade, vossa excelência, todos felizes. E quando Sua Excelência falou de Cachoeiro de Itapemirim só disse coisas a nosso favor, senti-me importante pela importância de minha cidade indubitavelmente ou inquestionavelmente (não me lembro mais, era um desses advérbios de modo assim bonitos, um advérbio de discurso) um grande centro progressista industrial cultural, outros adjetivos em al, e uma alusão delicada ao sorriso e à graça da mulher cachoeirense.
Ubaldo Ramalhete, que mais tarde conheci melhor, era um homem inteligente e fino; mas que não fosse, fosse quem fosse – era um secretário de Estado, uma personalidade, uma excelência; imaginem se fosse Presidente da República!
Por que roubar uma alegria tão grande às crianças humildes do interior do Brasil? E os senhores da oposição têm certeza de que seria melhor para o Brasil se o doutor Juscelino voasse menos e pensasse mais? Tenho minhas dúvidas.
Voai, presidente, voai!