Desta vez a primavera chegou no começo de setembro às ruas de Porto Alegre. Aí anda florindo pelas ruas batidas de sol, em marchas e cantos. É doce afastar os olhos das negras notícias que os jornais trazem da velha Europa, é doce desligar o rádio de ondas curtas cheio de palavras de ódio e de mortes e simplesmente sair pela rua, pela nossa rua brasileira em que desfilam meninos, rapazes e moças. Em um escuro minuto do mundo estamos vivendo nesta cidade uma bela e mansa alvorada humana. Há uma ingenuidade matinal nessa festa de gente moça de uma terra moça. É um prazer puro ficar numa beira de calçada vendo esse desfile de rapazes e meninos de todas as raças, de lindas moças que avançam tão felizes no ritmo de sua marcha como se a marcha fosse uma dança simples e sincera.

Ora, no meio dessas festas da Semana da Pátria eu quero pedir ao homem da rua de Porto Alegre que deixe um momento de acompanhar com os olhos o alegre desfile para contemplar com respeito e amizade essa figura modesta de mulher que faz e renova todo o milagre antigeográfico da união nacional: a professora pública. Agora que tanta festa se faz com archotes e piras em simbolismos gregos eu quero lembrar essa figura humilde que, silenciosamente, em cada canto perdido do Brasil, vai passando, através dos tempos, para as mãos das gerações que amanhecem, todo o fogo e toda a luz do sentimento brasileiro. É uma fada burocrática, uma fada quotidiana, quase sempre mal remunerada, uma fada que se integra a banalidade de nossa paisagem da classe média. Por isso mesmo nem a notamos. É, entretanto, uma fada ― e é hoje, sobretudo no Rio Grande do Sul, uma fada no “front”.

Trata-se de um “front” sentimental; mas são os “fronts” sentimentais que marcam as linhas dos outros. Não se trata, neste país, de muitas terras e pouca gente, de conquistar terras, mas conquistar gente; e gente só se conquista pelo coração. É gente de nossa terra que essa lutadora está conquistando para a nossa terra. Quando a sua mão passa, ternamente, pela cabeça áspera de um pretinho ou pela cabecinha macia de um menino louro, ela está semeando compreensão para nossas colheitas de ideal. Não está ensinando geografia, nem leitura, nem aritmética; está ensinando Brasil.

Recebida, tanta vez, com prevenção em uma ou outra zona colonial, ela tem de ser, muitas vezes, dentro do Brasil, uma espécie de consulesa do Brasil. E Roma não perderia seu império se o seu império tivesse sido confiado, ao invés de a rudes cônsules guerreiros, a essas suavíssimas consulesas. É que mesmo quando não seja um prodígio de cultura pedagógica ou de inteligência, ela tem, para se orientar, o instinto fundamental de água mansa, de ave tépida, de suave sombra, de árvore boa, de praia preguiçosa e de animal generoso: o instinto de ternura de mulher brasileira.

Ternura há em todo o mundo e em todo mundo há mulheres cheias de ternura. Mas cada ternura tem o seu jeito: e é o jeito da ternura brasileira que a fada burocrática vai ensinando.

Pais e mães de meninos do Rio Grande: ajudem essa missionária do Brasil. Aqueles, dentre vocês, que não são brasileiros, não tenham medo de que seus filhos se tornem brasileiros. Isso não os afastará de vocês, porque ser brasileiro não afasta um homem de nenhum outro homem do mundo. Ser brasileiro é apenas o jeito da gente do Brasil ser humana. Não pensem que, aprendendo a amar este Brasil tão grande, seus filhos não terão mais espaço no peito para amar também a terra de vocês. Terão sim. Quem aprende a amar uma terra tão grande não sente dificuldade em amar, de uma vez, a terra inteira...

rubem-braga
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