Fonte: Livro de versos. Recife, Edições Pirata, 1980.
"Rubem Braga, poeta também em versos"
Humberto Werneck
Em pelo menos duas ocasiões Vinicius de Moraes fez carinhos poéticos no amigo Rubem Braga: em “Mensagem a Rubem Braga”, do tempo em que o cronista cobria a guerra na Itália, e, em 1973, no “Soneto no sessentenário de Rubem Braga”. O destinatário retribuiu não só em prosa – na crônica “Recado de primavera”, por exemplo – como em verso. Quando, na segunda metade da década de 1940, o poeta e diplomata serviu por cinco anos nos Estados Unidos, sem voltar ao Brasil uma só vez, o cronista, saudoso, lhe enviou do Rio um “Bilhete para Los Angeles”. O poema viria a fazer parte de Livro de versos – reunião da magra mas apreciável produção poética do Braga, da qual o ponto mais alto é talvez “Soneto”, que também se lê abaixo. Com 39 páginas e apenas 14 poemas, 9 deles escritos na década de 1940, a coletânea foi publicada em 1980 pelas Edições Pirata, de Recife, e reeditada em 1993 pela Record, com ilustrações de Jaguar e Carlos Scliar, prefácio de Affonso Romano de Sant’Anna e posfácio de Lygia Marina de Moraes.
Bilhete para Los Angeles
Tu, que te chamas Vinicius
de Moraes, inda que mais
próprio fora que Imorais
quem te conhece chamara
— Avis rara!
Tens uns olhos de menino
doce, bonito e ladino
e és um calhordaço fino:
só queres amor e ócio,
capadócio!
Quando a viola ponteias
as damas cantando enleias
e as prende em tuas teias.
— Tanto mal que já fizeste,
cafajeste!
Apesar do que, faz falta
tua presença, que a malta
do Rio pede em voz alta:
— Deus te dê vida e saúde
em Hollywood!
(Rio, 1949)
Soneto
E quando nós saímos era a Lua,
era o vento caído e o mar sereno,
azul e cinza-azul anoitecendo
a tarde ruiva das amendoeiras.
E respiramos, livres das ardências
do sol, que nos levara à sombra cauta
tangidos pelo canto das cigarras
dentro e fora de nós exasperadas.
Andamos em silêncio pela praia.
Nos corpos leves e levados ia
o sentimento do prazer cumprido.
Se mágoa me ficou na despedida,
não fez mal que ficasse, nem doesse
— era bem doce, perto das antigas.
(1947)