Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de janeiro, Agir, 2004, vol. I, pp. 133-134.  Publicada, originalmente, no periódico Correio da Noite, de 31/12/1914 e, posteriormente, no livro Marginália. São Paulo, Brasiliense, 1956, p. 87. 

Fala-se muito na remoção das grades do Passeio Público e até Coelho Neto já exumou os gregos com o seu cânon de beleza, para justificar a retirada das grades.

Esse negócio de gregos e de beleza é coisa muito engraçada.

Sainte-Beuve já dizia que, de tempos em tempos, nós fazemos uma ideia da Grécia, e Coelho Neto tem, certamente, uma para uso próprio.

Eu quisera saber se Neto tem a concepção da beleza dos mármores obesos ou das estatuetas de Tânagra e se aplaudiria as vestes gregas, verdadeiras colchas de retalhos, com que os arqueólogos vestiram há pouco a “Dejanira”, de Saint-Saëns.

É preciso acabar com essa história da Grécia e de imaginar que os gregos tinham uma única concepção da beleza e que foram belos como os mármores que nos legaram.

Convém não esquecer que tais mármores são imagens religiosas e sempre os homens fizeram os seus deuses mais belos, mesmo quando os fazem humanos.

Mas tudo isso não vem ao caso.

Eu não me atrevo mesmo a dar opinião sobre a retirada das grades do Passeio Público. Hesito.

Mas uma coisa que ninguém vê e nota é a contínua derrubada de árvores velhas, vetustas fruteiras, plantadas há meio século, que a avidez, a ganância e a imbecilidade vão pondo abaixo com uma inconsciência lamentável.

Nos subúrbios, as velhas chácaras, cheias de anosas mangueiras, piedosos tamarineiros, vão sendo ceifados pelo machado impiedoso do construtor de avenidas.

Dentro em breve, não restarão senão uns exemplares dessas frondosas árvores, que foram plantadas mais com o pensamento nas gerações futuras, do que mesmo para atender às necessidades justas dos que lançaram as respectivas sementes à terra.

Passando hoje pelo Engenho Novo, vi que tinham derrubado um velho tamarineiro que ensombrava uma rua, sem trânsito nem calçamento.

A venerável árvore não impedia coisa alguma e dava sombra aos pobres animais, que, sob o sol inclemente, arrastavam pelo calçamento pesadas “andorinhas”, caminhões, que demandavam o subúrbio longínquo.

Era uma espécie de oásis, para as pobres alimárias, que resignadamente ajudam a nossa vida.

lima-barreto