Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, pp. 129-131. Publicada em 27/02/1920.

O eminente poeta Alberto de Oliveira, segundo informações dos jornais, está empenhado em impedir que um proprietário ganancioso derrube um cedro venerável que lhe cresce nos terrenos.

A árvore é remanescente de antigas florestas que outrora existiram para aquelas bandas e viu crescer Teresópolis já adulto.

Não conheço essa espécie de árvore, mas deve ser bela, porque Alberto de Oliveira se interessa pela sua conservação.

Homem de cidade, tendo viajado unicamente de cidade para cidade, nunca me foi dado ver essas essências florestais que todos que as contemplam se enchem de admiração e emoção superior diante dessas maravilhas naturais.

O gesto de Alberto de Oliveira é sem dúvida louvável e não há homem de mediano gosto que não o aplauda do fundo d’alma.

Desejoso de conservar a relíquia florestal, o grande poeta propôs comprar, ao dono, as terras onde ela crescia.

Tenho para mim que, à vista da quantia exigida por este, ela só poderá ser subscrita por gente rica, em cuja bolsa umas poucas de centenas de mil-réis não façam falta.

Aí é que me parece que o carro pega. Não é que tenha dúvidas sobre a generosidade da nossa gente rica; o meu cepticismo não vem daí.

A minha dúvida vem do seu mau gosto, do seu desinteresse pela natureza. Excessivamente urbana, a nossa gente abastada não povoa os arredores do Rio de Janeiro de vivendas de campo com pomares, jardins, que os figurem graciosos como a linda paisagem da maioria deles está pedindo.

Os nossos arrabaldes e subúrbios são uma desolação. As casas de gente abastada têm, quando muito, um jardinzito liliputiano de polegada e meia; e as da gente pobre não têm coisa alguma.

Antigamente, pelas vistas que ainda se encontram, parece que não era assim.

Os ricos gostavam de possuir vastas chácaras, povoadas de laranjeiras, de mangueiras soberbas, de jaqueiras, dessa esquisita fruta-pão que não vejo mais e não sei há quantos anos não a como assada e untada de manteiga.

Não eram só essas árvores que a enchiam, mas muitas outras de frutas-adorno, como as palmeiras soberbas, tudo isso envolvido por bambuais sombrios e sussurrantes à brisa.

Onde estão os jasmineiros das cercas? Onde estão aqueles extensos tapumes de maricás que se tornam de algodão que mais é neve, em pleno estio?

Os subúrbios e arredores do Rio guardam, dessas belas coisas roceiras, destroços como recordações.

A Rua Barão do Bom Retiro que vem do Engenho Novo a Vila Isabel, dá a quem por ela passa uma amostra disso.

São restos de bambuais, de jasmineiros que se enlaçavam pelas cercas em fora; são mangueiras isoladas, tristonhas, saudosas das companheiras de alameda que morreram ou foram mortas.

Não se diga que tudo isso desapareceu para dar lugar a habitações; não, não é verdade. Há trechos e trechos grandes de terras abandonadas, onde os nossos olhos contemplam esses vestígios das velhas chácaras da gente importante de antanho que tinha esse amor fidalgo pela “casa” e que deve ser amor e religião para todos.

Que os pobres não possam exercer esse culto; que os médios não o possam também, vá lá! e compreende-se; mas os ricos? Qual o motivo?

Eles não amam a natureza; não têm, por lhes faltar irremediavelmente o gosto por ela, a iniciativa para escolher belos sítios, onde erguerem as suas custosas residências, e eles não faltam no Rio.

Atulham-se em dois ou três arrabaldes que já foram lindos, não pelas edificações, e não só pelas suas disposições naturais, mas também, e muito, pelas grandes chá¬caras que neles havia.

Botafogo está neste caso. Laranjeiras, Tijuca e Gávea também.

Aos famosos melhoramentos que têm sido levados a cabo nestes últimos anos, com raras exceções, tem presidido o maior contrassenso.

Os areais de Copacabana, Leme, Vidigal, etc., é que têm merecido os carinhos dos reformadores apressados.

Não se compreende que uma cidade se vá estender sobre terras combustas e estéreis e ainda por cima açoitadas pelos ventos e perseguidas as suas vias públicas pelas fúrias do mar alto.

A continuar assim, o Rio de Janeiro irá por Sepetiba, Angra dos Reis, Ubatuba, Santos, Paranaguá, sempre procurando os areais e os lugares onde o mar se possa desencadear em ressacas mais fortes.

É preciso não cessar em profligar tal erro; tanto mais que não há erro, o que há é especulação, jogo de terrenos, que são comprados a baixo preço e os seus proprietários procuram valorizá-los num ápice de tempo, encaminhando para eles os melhoramentos municipais.

Todo o Rio de Janeiro paga impostos, para que tal absurdo seja posto em prática; e os panurgianos ricos vão docilmente satisfazendo a cupidez de matreiros sujeitos para quem a beleza, a saúde dos homens, os interesses de uma população nada valem.

É por isso que disse não me fiar muito que Alberto de Oliveira alcançasse realizar o seu desideratum.

Os ricos se afastam dos encantos e perspectivas dos sítios em que se possam casar o mais possível a arte e a natureza. Perderam a individualidade da escolha; não associam à natureza as suas emoções nem esta lhes provoca meditações.

O estado dos arredores do Rio, abandonados, enfeitados com construções contraindicadas, cercados de terrenos baldios onde ainda crescem teimosamente algumas grandes árvores das casas de campo de antanho, faz desconfiar que os nababos de Teresópolis pouco se incomodam com o cedro que o turco quer derrubar, para fazer caixas e caixões que guardem quinquilharias e bugigangas.

Daí pode ser que não; e eu desejaria muito que tal acontecesse, pois deve ser um soberbo espetáculo contemplar a magnífica árvore, cantando e afirmando pelos tempos em fora a vitória que obteve tão somente pela força de sua beleza e majestade.

lima-barreto