Fonte: A revolução das bonecas., Sabiá, 1967, pp. 183-185. Publicada, originalmente, no Caderno B, coluna "O homem e a fábula", do Jornal do Brasil, de 12/11/1964.

Quem é o nadador louro, de espáduas douradas, que nada como se marchasse? As suas mãos são pesadas e arrancam pedaços de água. Assim também o homem cava a terra, quando chega a sua hora, para dormir dentro da terra. Quando há sol, com as espáduas douradas, ele nada; e quando chove, ele nada. Ganha uma estrada ao mar com braçadas lentas e brutais; não é leve o mar, é pesado, resistente como a maçã que se morde. 

Quem é o nadador louro, de espáduas douradas? Que campeonato perde todos os dias? Que verdade extrai dessas braçadas não cronometradas? Seus pés se movem como hélices e a água molda o seu perfil helênico. Seu corpo é dourado, com penugens de pêssego, e seus músculos são de aço exausto. Ele nada na praia deserta, sem barcos nem ilhas, debaixo da tempestade ou quando a hóstia solar se consagra a uma divindade pagã. Ao meio dia, veste as calças cáqui, as alpargatas, a camiseta, e levando o short na mão se despede do mar. De tarde o nadador é funcionário público; de noite, celibatário; de manhã, herói. 

Por que boxeia com o mar, chova ou faça sol? 

É para esquecer a mulher que ele se perde nessa luta contra a água. Será? Ele vem no bonde, salta na praia deserta, despe-se na areia e mergulha. Meio minuto de morte transcorre; e então a sua cabeça loura quebra a crosta verde, e ele olha para trás: já está longe da areia, da repartição, das mulheres e das palavras vãs que se dizem em terra firme, e que só servem para aprimorar desinteligências. Quebrou-se o cordão umbilical que o ligava ao desespero. Livre, ele se põe a lutar contra a água, que morde o seu ombro e negaceia, molda o seu corpo e resiste ao seu progresso, lava o seu rosto e queima os seus olhos. O nadador agride o mar com seus músculos temperados pelo mar. E avança para o horizonte. Ali, na trêmula linha azul, não há cidades, não há felicidade; o que ele vê é uma camada de água mais profunda, mais aconchegante e mais dócil do que o ventre materno. O nadador nada sobre monstros jamais vistos pelo homem. Mas há uma lei que rege os anfíbios, segundo a qual o oceano se vê compelido a devolver à terra o que lhe pertence. As longas ondas macias erguem o nadador, e se derramam sob o seu corpo, para que ele deslize sobre suas corcovas verdes, e assim, de onda em onda, ele volta. Quer o horizonte e lhe dão a praia. Quer a morte e lhe dão o dia do homem. Quer a liberdade e lhe dão a servitude. 

Exausto, embora sinta em sua alma a força de um cavalo, o nadador de pé, musculoso e espadaúdo com os grandes pés fincados na areia, contempla o mar que o rejeita e avalia a extensão da sua derrota cotidiana. Amanhã, recomeçará a guerra. Seja como for, entre ele e o mar se declarou uma hostilidade sadia, são dois amigos que se odeiam. Ele veste as calças cáqui, a camiseta, as alpargatas, e vai chapinhando na areia, na direção do ponto do bonde. 

O mar é apenas um sucedâneo, ó nadador louro de espáduas douradas! O mar vos incita a lutar no chão firme, contra a mulher que com negaças vos destruiu, contra a baixeza dos negócios em que estais envolvido a partir do meio-dia, contra a solidão que vos enlaça no leito de nadador exausto!

jose-carlos-oliveira