Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, p. 403. Publicada, originalmente, na Careta, de 13/08/1921 e, posteriormente, em Vida urbana, São Paulo, Brasiliense, 1956, p. 261.
O Jorge era, apesar de boêmio, um bom chefe de família. A sua mulher, que lhe sabia cavalheiro e bom marido, não se importava absolutamente com as suas extravagâncias. Eles viviam na maior paz e harmonia. Chegasse ele às dez, às onze ou às quatro horas da madrugada, a recepção era a mais cordial possível.
Um dia pela semana santa, isto é, na quinta-feira da Paixão, Jorge chegou em casa e disse à mulher:
– Eugênia, amanhã vou pescar e você me acorde cedo.
Dona Eugênia recebeu a recomendação com todo o carinho e, no dia seguinte, logo pela manhã, pela madrugada, despertou o marido.
Jorge saiu lépido e contente com o prazer que ia dar à cara-metade.
Em chegando ao primeiro botequim, porém, abancou e pôs-se a beber. Comer e beber, a questão é começar; e ele tinha começado e continuou.
Quando chegou aí pelo meio-dia, lembrou-se da pescaria que tinha prometido à mulher.
– Como havia de ser? pensou ele de si para si.
A canoa e os companheiros já deviam ter partido, e precisava levar os peixes.
Entrou em uma confeitaria e comprou camarões, postas de peixe, siris, ostras, etc.
Tomou o bonde e foi para casa. Entregou os embrulhos à mulher e foi dormir, tão cansado estava da pescaria. Às cinco horas, Dona Eugênia veio-lhe despertar.
– Jorge! Jorge! Vem jantar.
Ele ergueu-se e foi para a sala de refeições. Quando lá chegou e viu aqueles primores de confeitaria, perguntou à mulher:
– Que diabo é isso? Estamos em piquenique?
A mulher acudiu:
– Isto é a pescaria que tu fizeste!