Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, p.529. Publicada, originalmente,  na revista Careta, de 24/06/1922 e, posteriormente, no livro Marginália.,  Brasiliense, 1956, p.151. 

Estamos nas vésperas de comemorar o centenário da nossa independência política e os poderes públicos se hão esforçado, em matéria de gastos, para festejá-lo condignamente.

Não há negar que esse é um serviço meritório que muito há de dignificá-los perante a história e torná-los merecedores da gratidão dos brasileiros.

O senhor Carlos Sampaio, por exemplo, tem sido de uma rara abnegação no problemático desmonte de morros e no entupimento das lindas enseadas da nossa majestosa baía.

O senhor Carlos Sampaio é sem dúvida alguma um homem sisudo e grave. Disso, tem dado provas desde a antiga “Melhoramentos”, inclusive a encampação, até à sua atual eficiência na Prefeitura do Distrito Federal... (Meu Deus! Que nome horrível!)

Ele não se detém diante de considerações estéticas, tradicionais e outras de natureza mais ou menos fútil.

A sua escola filosófica, que o meu amigo doutor Manuel Duarte diz ser a “pragmatista” de tal William James, pode ser resumida neste rifão da sabedoria popular yankee: “make money, honestly if you can; but make money”.

Sendo assim, nada mais próprio do que o engenheiro para presidir ou fazer cousa semelhante com relação aos trabalhos de construção da nossa monumental feira votiva ao centenário do grito do Ipiranga.

Ela vai indo como vai indo a derrubada do Morro do Castelo. Esta dentro de cinquenta anos estará acabada; e aquela, se não me falham os cálculos, demorará um pouco mais...

Isto tudo, porém, não vem ao caso. Não tenho nenhum motivo para acreditar-me capaz de dar conselhos aos administradores do Brasil em matéria de festejos, porquanto sei bem que eles são exímios em tão transcendental capítulo de administração pública enquanto o subscritor destas linhas é um pobre-diabo triste que não tem, para gozar alguma alegria, como procurar “paraísos artificiais”.

Contudo, animo-me a lembrar-lhes que não se esqueçam de uma estátua, de um monumento, de uma stella ou cousa que valha, em todo digna à comemoração que se vai efetuar.

Naturalmente, os senhores pensarão que se trata de um monumento a Tiradentes e a seus precursores. Não há tal.

O Alferes Xavier é de fato um grande vulto da nossa história política; mas não é a ele, nem a Filipe dos Santos, nem a Bernardo Vieira de Melo, o tal Olinda, etc., etc. É a outrem que se deve erigir o pomposo monumento ao nosso apogeu político.

Os monarquistas pensarão que é a Pedro II e os seus principais ministros Dantas, Zacarias, Rio Branco, Nabuco, João Alfredo, Ouro Preto, etc. Ainda mais uma vez, não há tal. A estátua deve ser a outra pessoa que resuma a nossa cultura política de cem anos.

Os jacobinos pensarão que é a Floriano Peixoto; os positivistas que se trata de Benjamim Constant. Estão todos enganados.

Estou a ouvir aqui um oportunista que a pede ao senhor Epitácio Pessoa. Não o posso atender. A minha ideia é que o monumento comemorativo da nossa perfeição política seja elevado a Oldemar Lacerda[1].

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[1] Oldemar Lacerda foi apontado como autor da falsificação das cartas ofensivas aos militares atribuídas a Artur Bernardes e publicadas no Correio da Manhã de 9 de outubro de 1921. As cartas visavam indispor Bernardes com os militares, impedindo sua eleição para a presidência da República no pleito de 1922. Na década de 1930, filiou-se ao movimento integralista.

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